Publicado em 08/11/2021, às 08h04 por Claudia Werneck
Um fato recente me fez pensar em como eu decifraria para uma criança as incoerências e os paradoxos das instituições que norteiam o mundo adulto. Eu saberia dissertar sobre o papel da ONU na defesa dos direitos humanos quando o próprio organismo internacional hesita – em determinadas circunstâncias – a cumpri-los?
Acessibilidade é substantivo feminino. Viria daí um preconceito de gênero? Acessibilidade é uma palavra extensa. Viria daí certa preguiça em executá-la? Acessibilidade é palavra confusa, até confundida com outra, sensibilidade. Viria daí a dificuldade de compreendê-la ou incorporá-la em nosso vocabulário cotidiano? Fato é que a acessibilidade incomoda – como propósito e como prática.
Andar, por outro lado, também está virando um verbo confuso. Tradicionalmente se associa andar a movimento só de pernas. Mas não. Andar é caminhar, se locomover, e não interessa como: pode ser com os pés, em cadeira de rodas, patinete e bicicleta, por exemplo.
Então, estamos diante de uma dupla questão semântica sobre o significado apreendido do substantivo acessibilidade e do verbo andar. Seriam detalhes inofensivos? Ou provas de exclusões habituais expressas todo dia? Relacionam-se diretamente à discriminação enfrentada pela ministra de Energia de Israel, Karine Elharrar? A ministra anda em cadeira de rodas e não conseguiu participar da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas recentemente, em Glasgow, em função da falta de acessibilidade arquitetônica no espaço físico da chamada COP26.
Palavras são escudos de proteção para que ideias antigas e em alguma medida violentas não circulem mais livremente. Quando não cuidamos das palavras, abrimos mais flancos de incompreensão e, com isso, de exclusão. Temos que ser mais responsáveis.
A falta de transporte acessível na COP26 que garantisse mobilidade à ministra Karine Elharrar, por exemplo, é apenas o sintoma de uma tragédia maior: pessoas com deficiência continuam sendo tratadas como um detalhe da natureza. Podem ficar de fora e tudo bem. A COP26 bateu a porta na cara de uma mulher.
Cresci com orgulho da ONU pelo que representa para o mundo, ainda que suas decisões inúmeras e constantes vezes sejam alvo de críticas justas. Mas, se erros básicos em relação a direitos humanos continuarem a ser cometidos, o que dizer da ONU para as crianças?
Não dá pra colar todos os pedaços de nosso mundo adulto. Mas há muitas infâncias a educar. Evitemos quebrá-las.
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