Publicado em 23/09/2022, às 08h28 por Toda Família Preta Importa
**Texto por Claudia Vitalino, palestrante do Movimento Negro, eleita entre as 100 mulheres negras mais influentes do Rio de Janeiro
Inicialmente, importante se dizer que o racismo ainda não é um tema cuja compreensão é pacificada entre as pessoas em geral, considerando que por séculos vivenciamos a contradição entre uma realidade de pensamento de uma democracia racial no Brasil, em que se naturalizou a fala de relação cordial entre raças.
Todavia, na prática perpetua-se a vivência de valores sociais dados como naturais desde crianças que organizam a realidade a partir da hierarquia entre pessoas determinadas pela raça, aonde aquele(a)s que detém poder são entendido(a)s como superiores com relação a quem não detém, cuja compreensão é de subalternização.
A ordem de valores sociais que se funda na hierarquia de raças e etnias se concretiza na infância, a partir da experiência de que negro(a)s não sejam representativo(a)s como heróis e heroínas nas histórias contadas nos livros infantis, nos desenhos animados, jogos de vídeo game, ao contrário, em geral ou não são representativos nas histórias infantis, ou recebem tratamento depreciativos, são vilões, vilãs, bandido(a)s, pessoas pobres e desvalorizados enquanto beleza e inteligência.
Assim, diante da realidade perpetuada, e que importa dia a dia em tensão socio-racial, na discriminação e em violências raciais“ ficar em silêncio não pode mais ser uma opção”.
Urge conversarmos com nossas crianças, sobre racismo, mas sabemos que não se trata de uma tarefa fácil, como reconheceu a Unicef em 2020 (1), quando realizou artigo com dicas para iniciar e manter conversa sobre racismo com filhos e filhas, até porque já há um desconforto na família em falar sobre um assunto em que pais e mães, tios e tias, avós e avôs não têm uma compreensão completa, clara.
E mais, a maioria dos adultos não querem expor suas crianças, ainda cedo, a ocorrências como racismo e discriminação. Todavia, havemos enquanto responsáveis em nossa família de superar os desconfortos, e erguer para nós uma questão anterior e mais importante, quando se trata da educação de nossas crianças: qual sociedade que queremos construir para os nossos filhos e filhas, sobrinhos e sobrinhas, netos e netas?
Nelson Mandela, prêmio Nobel da Paz em 1993, ensinou a Humanidade que “Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar.”
Neste sentido, exercemos enquanto responsáveis em uma família papel fundamental como educadore(a)s de nossas crianças, filhos e filhas, sobrinhos e sobrinhas, netos e netas, no aprendizado de AMAR, – é isto mesmo no aprendizagem de amar-, que se trata mais que um sentimento, mas de uma ação, como muito bem destacou a autora norte americana bell hooks, do qual decorrem valores como a dignidade humana, a não discriminação, que inclusive são valores constitucionais em um estado de Direitos e em uma Democracia.
Importante, portanto, como adultos e responsáveis, sejamos sujeitos que ressignificamos valores sociais em família, de modo a apresentar a nossas crianças experiências com diversas culturas, bem como, a pessoas de diferentes raças, de diferentes etnias, e grupos, cujas interações constituam-se significativas para a construção de convivência e amizades.
Certamente tais interações, não ocorrem através de uma única via de abordagem, mas têm como ferramentas as conversas, que certamente serão diferentes de família para família, a introdução de alimentos, músicas, histórias de outras culturas, a utilização de brinquedos e brincadeiras que trazem a valorização das múltiplas expressões de saber, belezas e estéticas das diferentes etnias, raças e formas.
Trata-se de assumir em família a decisão por um aprendizado de amar, que promova o reconhecimento e respeito pelo outro(s) que são diferentes de nós mesmo(a)s, esta é certamente uma potente e resolutiva medida de enfrentamento ao racismo e na construção de uma realidade para além da família, com igualdade, que enxerga as diferenças com respeito, uma realidade de justiça social.
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