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No divã: a identidade na maternidade

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Publicado em 03/05/2017, às 08h20 por Ligia Pacheco


Ao engravidar, logo notei que era comum ser paparicada e estar no “centro das atenções”. Também olhei mais para mim, afinal ter um ser se desenvolvendo em você é muito especial. E, mesmo tendo experimentado o turbilhão hormonal e as mudanças não apenas corporais, foi fácil me encantar e perceber que a maternidade transforma-nos em vários sentidos desde os seus primórdios e para sempre. Mudanças mais fáceis de observar, outras mais sutis, como a da identidade na maternidade.

Aos 3 meses de gravidez não consegui mais subir na moto que há anos pilotava. Percebi que não era mais eu que estava ali, mas a “Lígia e”. Minhas ações na vida diziam agora da nossa vida. E este foi o primeiro impacto na minha identidade. Qual a parte que à maternidade cabe neste latifúndio? Mas, antes de tentar responder, me vi deliciosamente amalgamada àquele ser como acontece nas paixões. Já não importava saber onde eu terminava e o bebê começava. Deixei-me contaminar por este mistério, enquanto o vestido encurtava a cada dia. E eis que nasceu uma menina linda.

E lá estava eu com a barriga vazia, corpo ainda doído e se readaptando a um novo equilíbrio em vários sentidos: físico, psíquico, emocional, social. Em compensação estava com o bebê para conhecer, e expressar o meu amor e cuidados, com e por todos os meus sentidos. Mas, logo notei uma ruptura. A partir do nascimento, as pessoas mal me olhavam e já corriam para a criança. Mas, tudo bem, pois também eu nem prestava mais tanta atenção em mim. Aliás, nem dava tempo. O foco agora era o bebê, o novo mundo que se abria, inclusive em mim. Optamos por sentir mais os instintos do que os condicionamentos culturais. Nada de sogra, mãe, babás e estas loucuras do mercado de bebês em excesso. Foi uma opção acertada que me fez conhecer a Lígia-fêmea, que me surpreendia a cada dia na relação com a cria. Percebi que ser mãe era natural e bem instintivo, mas a maternidade era uma construção cultural.

Desde então, tenho observado mães daqui e de vários países e é fácil concluir que somos bem mais afetivas, mas também superprotetoras subestimando as crianças e impedindo-lhes desenvolvimentos. Em nossa cultura o cortão umbilical é cortado fisicamente, mas internamente demoramos muito para processar ou para notá-lo ainda “ligado”. É muito fácil criar uma relação de dependência com o filho, o que é ruim para ambos.

Mas um gesto inusitado fez com que eu visse o que eu não via. Uma querida amiga ao nos visitar levou um presente ao bebê, como de costume, mas levou um presente para mim também. Entendi o recado: Você é você. O bebê é o bebê. Mas afinal, quem era eu agora? Minha identidade havia sido transformada, mas cortar o cordão, de fato, era necessário, pois agora era preciso cuidar de duas identidades, a minha e a do bebê, até que ele amadurecesse e processualmente fosse assumindo a construção da própria identidade. Todavia, o amor é tão grande, o encantamento pelo filho é crescente e as situações diárias são tão intensas que esta ideia pode ser facilmente perdida e nos perdermos, e agirmos como se houvesse ainda um “cordão”. Atente-se, pois não é tão perceptivo e óbvio assim.

Dois anos depois tive outra menina linda e fui ampliando meu ser-mãe com encanto. Conforme elas foram crescendo, notei uma armadilha de nossa cultura. Eu fui sutilmente desaparecendo para o novo meio que eu frequentava como escolas, pediatras, clínicas de vacinação, festas infantis. A Lígia virou a “mãe de”. Ou pior, “mãezinha.” Assim, a cada vez que médicos, professores, amigos das filhas, pais dos amigos entre tantos chamavam-me assim, eu apresentava-me imediatamente temendo perder a identidade que me restava.

Para mim, ser mãe faz parte do meu projeto de vida e sempre fará. Amo ser mãe. Mas sempre precisei do meu tempo como Lígia. Uns dias sem pensar em tarefas, mochilas, almoços, sem ser “mãetorista”, sem ter as responsabilidades da rotina de ser “mãe”. Meu marido assumia tudo e lá eu ia encontrar-me comigo. É muito saudável, recomendo, mas saiba que ouvirá muitas críticas. Todavia, a maternidade é quase sinônimo de doação e, se não tivermos atenção, facilmente esquecemo-nos de nós e a transformamos no nosso projeto de vida. Penso não ser saudável ser só mãe. Afinal, a criança vem ao mundo, mas o mundo não é ela. E, num piscar de olhos, os filhos agarram os próprios projetos e batem asas, como também fizemos com os nossos pais e como os nossos fazem ou farão. Estranho é quando não fazem.

Tivemos muito cuidado com a formação de nossas filhas, tanto no desenvolvimento das “asas” quanto das “raízes”. E elas foram ganhando forças. Mas, de repente me vi dizendo “Voa!” , enquanto pisava discretamente em suas asas. Não foi fácil notar isso, mesmo porque uma coisa é dizer que criamos para o mundo e outra é quando este dia chega. E, quando voaram, senti balançar profundamente minha identidade. Fez-se um grande buraco em mim. E por mais que eu tenha cuidado, este vazio me dizia: “Por onde ficou um tanto de você?” Era hora de olhar melhor para mim, encontrar o que se perdeu e analisar as mudanças que se faziam necessárias. Processo difícil e dolorido, mas necessário.

Quando você se vê com o ninho vazio, por mais orgulhosa e feliz que esteja com o que os filhos estão fazendo com a vida, você percebe o quanto a maternidade se mescla com a identidade. E abala não tê-los mais sob as asas. E como! E dá uma saudade…! E como potencializa a ansiedade!

“Aproveita a entressafra!”, diz meu pai antevendo seus bisnetos. Calma! Ainda são bem jovens, mas ele tem razão. Há muitos benefícios. Dá muito orgulho ver as filhas voarem, construírem e constituírem a própria vida com graça, responsabilidade e competência. É lindo perceber que cada qual tem seu projeto de vida, mas que a família faz parte dele. É encantador vê-las voar, confiar em suas raízes e poder agradecer que o investimento valeu e tem valido a pena. É inspirador encontrarmo-nos em vôo, como também quando pousamos em nós. Como é bom!
Olho para trás. Tanto a agradecer! Quantas aprendizagens! Quantas boas percepções e crises, que me ajudaram a ver mais de mim e da mãe em mim. Vale atentar-se à identidade-maternidade e não se culpar por não querer abandonar você. Afinal, você não é o seu filho. Seu filho não é você. E nem é saudável que seja. Vale ainda perceber que nossa identidade é inacabada e que a construção da maternidade não termina nunca, mas transforma-se e nos transforma conforme os filhos e nós mesmos vamos nos desenvolvendo, em altos e baixos assim como desenha o eletrocardiograma em sinal de vida.

Como tem sido bom construir Lígia! Como tem sido bom ser mãe em construção! E, é fato: a cada dia valorizo ainda mais a minha mãe e a sua pessoa. Feliz dia das mães, mãe! Feliz dia a todas nós!


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