Criança

Por que você deve investir em uma educação antimachista

Criar crianças antimachistas é um dever de todos - Getty Images
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Publicado em 22/08/2023, às 08h11 por Marina Teodoro, Editora de digital | Filha de Ana Paula e Gilberto


Uma amiga está grávida e anunciou que vai ter um menino. Automaticamente, corri para a sessão de roupas azuis e verdes para comprar um presente para Chico, que ainda não sabe, mas já tem uma tia coruja à espera. No caminho do caixa para pagar, me deparo com um macacão amarelo com o desenho de uma flor no centro. Foi amor à primeira vista. Peguei a roupa na mão e quando estava pronta para fazer a troca pensei melhor e desisti. Acabei seguindo com a peça bordada em azul que havia escolhido antes, porque achei que era a mais adequada. O que havia acabado de
acontecer ali poderia ter passado despercebido se eu não tivesse gostado tanto daquele macacão amarelo.

No caminho para casa, remoendo a situação na minha cabeça, acabei entrando em uma grande reflexão sobre como, mesmo quando criança e até antes de nascer, somos expostos aos efeitos nocivos da sociedade, o que inclui preconceitos e comportamentos ultrapassados como o machismo.

Criar crianças antimachistas é um dever de todos (Foto: Getty Images)

Uma criação antimachista colabora para o empoderamento de todas as pessoas  – Helen Mavichian, psicoterapeuta especializada em crianças e adolescentes e Mestre em Distúrbios do Desenvolvimento, mãe de Pedro e João

Outro exemplo é o de Apolo, que tinha apenas dois anos quando desfilava por aí com os cabelos compridos. “Decidimos não cortar porque o cabelo black dele era lindo”, relembra o pai Humberto Baltar, que é educador e idealizador do coletivo Pais Pretos Presentes. “O curioso era que quase todo mundo que o elogiava na rua, o tratava no feminino: ‘Que menina linda!’, ‘Qual é o nome dela?’. Ali ficou evidente para mim que a mesma sociedade que diz que homens podem ter cabelos longos ou usar brincos, por causa do machismo associa o cabelo longo ao feminino”, diz ele, que mesmo assim, nunca pensou em cortar o cabelo do filho por causa disso na época.

Criar um filho longe de conceitos machistas é uma missão bastante difícil e talvez impossível, porque vai além do que pode ser controlado e trabalhado no ambiente familiar, mas isso não significa que não há nada a se fazer. Pelo contrário, está nas suas mãos investir em uma educação que reforce a equidade de gênero e invalide estereótipos limitantes. 

“Nossas crianças conviverão inelutavelmente com pessoas machistas. Isso infelizmente está em nós como coletividade. A questão central é que quando uma criança tem adultos de referência que são claros, que estão investidos do seu papel e com quem o vínculo está estruturado mediante afeto seguro, embora de forma sempre incompleta, nos tornamos referência”, explica Alessandro Marimpietri, psicólogo com doutorado em Ciências da Educação, autor do livro “Quando somos um só” e pai de Lucca. “Isso torna muito mais fácil elaborar saídas para essas armadilhas (machistas, racistas, classistas…), que nos acompanham desde há muito”.

Abordar esse assunto em casa é um passo crucial para criar crianças respeitosas e esclarecidas, conforme aponta a psicoterapeuta especializada em crianças e adolescentes e Mestre em Distúrbios do Desenvolvimento, Helen Mavichian, mãe de João e Pedro. Para ela, além de contribuir para a formação de valores, desconstrução de estereótipos, prevenção da violência de gênero, uma criação antimachista também colabora para o empoderamento de todas as pessoas, construção de relacionamentos saudáveis e de uma sociedade mais justa.

Reconhecer e desconstruir

Um dos primeiros passos para seguir nesse caminho parte de um olhar individual que os próprios pais e mães devem fazer para dentro de si mesmos. Reconhecer seus próprios preconceitos, que acabam passando às vezes despercebidos por serem comportamentos enraizados na sociedade, é fundamental para uma educação honesta, coerente e que sirva de exemplo para as crianças.

“Não existe uma educação que não seja machista, que seja inclusiva, amorosa, respeitosa com todas as pessoas se nós, adultos, não passarmos por uma modificação”, argumenta Ligia Moreiras, mãe de Clara, cientista, escritora, doutora em Saúde Coletiva e em Ciências e criadora do projeto Cientista Que Virou Mãe.

Brasil aparece na 14ª posição dos países mais machistas do mundo

Fonte: Pesquisa Global Advisor sobre feminismo e igualdade de gênero, IPSOS, 2017

“Todos nós vivemos num meio machista que se manifesta em comportamentos que vêm não apenas dos homens, mas muitas vezes de nós mesmas [mulheres]”.  Em sua visão, educar filhos é uma excelente oportunidade para mudar nós mesmos. “Homens e mulheres precisam olhar para si e perguntar ‘Onde está o machismo em mim?’”, sugere. Ela reconhece que esse é um caminho bastante desafiador, mas que vale a pena. “A nossa geração de pais e mães talvez seja a primeira geração que tem contato com esse tipo de discussão, que tem material à disposição, que encontra rodas de apoio, cursos e tudo mais. É como se a gente estivesse aprendendo a dirigir um carro em movimento, em alta velocidade. Mas a gente consegue!”

Os pais não são os únicos responsáveis a se desprender do machismo na hora da criação (Foto: iStock)

Humberto concorda com Ligia. “É essencial reconhecer que fomos educados numa cultura machista, heteronormativa, sexista e misógina e a partir deste reconhecimento buscar diariamente em si traços dessa cultura para que possamos identificar e rever posturas, posicionamentos, pensamentos e atitudes machistas”. Ele conta que antes mesmo de Apolo nascer, o filho o levou a identificar várias percepções que Humberto havia herdado de uma educação machista. “Eu tinha medo de não conseguir ser um pai amoroso, afetuoso e carinhoso com ele pelo fato de ele ser um menino e meu pai ter me dado um modelo provedor de coisas apenas. Busquei inspiração na troca com outros pais e a partir dessas partilhas venho descobrindo a riqueza gerada pela desconstrução do machismo”.

E quando o machismo vem de fora?

Estimular um comportamento dentro de casa e na rua, na escola, entre os amigos e até na própria família ver que esse valor é desrespeitado é um desafio que não pode ser ignorado. Nadar contra a correnteza é uma tarefa bastante exaustiva, reconhece Ligia. “Na verdade, nós somos a contracorrente, com a corrente que vem num sentido muito forte”, alega.

O machismo exige padrões. Ele quer encaixotar as pessoas naquilo que se espera de um menino ou de uma menina, e isso impede as crianças de serem quem elas são – Ligia Moreiras, mãe de Clara, cientista, escritora, doutora em Saúde Coletiva e em Ciências e criadora do projeto Cientista Que Virou Mãe

“É como se todo dia a gente avançasse um passo para trás e por isso acaba se tornando cansativo, né? Mas vale a pena porque os resultados são muito bons em termos de mudança positiva, de ver uma criança crescendo de uma maneira democrática, respeitosa para si e para os outros”. No entanto, essa não pode ser a desculpa para que pais e mães deixem o assunto de lado. Conversar com outros pais e adultos que fazem parte do cotidiano da criança pode ser um jeito de trabalhar o assunto além das paredes de casa. “Por se tratar de um desafio estrutural e multifatorial, o machismo exige uma estratégia de combate que seja intersetorial e multidisciplinar”, avalia Humberto.

Masculinidade tóxica afeta meninos e meninas

Frases como: “Pare de chorar como uma mulherzinha”, “não tenha medo, seja homem!”, “se comporte como uma mocinha”, “isso não é coisa para você”, “se continuar agindo assim, ficará mal falada” são exemplos de como a masculinidade tóxica dos pais afeta as crianças. “Isso acaba culminando no aprisionamento dos meninos num discurso que associa o masculino com a virilidade, que defende a força física como modo de solução de conflitos, que elogia a truculência, que percebe as emoções como demérito ou sinal de fragilidade, e que, por sua vez, compete às meninas, que viram sinônimos de algo menor, inferior”, pontua Alessandro. Pais machistas tendem a impor expectativas de gênero rigidamente definidas em seus filhos, de acordo com estereótipos e preconceitos “tradicionais”, aponta Helen. “Essas expectativas limitantes podem restringir o desenvolvimento individual e as oportunidades das crianças, perpetuando desigualdades de gênero”.

Hoje creio que a educação antimachista é uma missão para a vida inteira – Humberto Baltar, pai de Apolo, educador e idealizador do coletivo Pais Pretos Presentes

A educação de crianças antimachistas deve ser contemplada tanto em casa quanto em outros lugares que elas convivam (Getty Images)

Os meninos, por exemplo, podem ser desencorajados a expressar emoções como tristeza ou medo, o que pode levá-los a problemas de saúde mental e dificuldades em lidar com emoções. Já as meninas podem ser incentivadas a se conformar com papéis de cuidadoras emocionais, sendo responsabilizadas pela gestão das emoções dos outros, limitando sua autoestima, ambições e perspectivas futuras. Humberto conta que precisou passar por um processo de escuta ativa e troca com as mulheres para realmente se aprofundar no processo de desconstrução. “Essa experiência foi muito dura porque eu podia jurar que não era machista, mas o hábito da escuta transformadora nas trocas
com a minha esposa e com os homens presentes nos grupos reflexivos que participo me mostrou que eu ainda tenho muito a caminhar. Hoje creio que a educação antimachista é uma missão para a vida inteira”.

Mas como falar com seu filho sobre machismo?

Quando falamos da palavra “machismo”, é comum vir à cabeça uma configuração complexa e rígida de pensamentos e comportamentos que já estão há tanto tempo fixados na sociedade, que parece difícil até para adultos entender e definir o tema. No entanto, tudo fica mais fácil quando se leva em consideração exemplos práticos do que o conceito significa e como ele age na estrutura social. Essa lógica também pode se aplicar às crianças.

“Além de um bem-vindo discurso plural, diverso, não machista e democrático, precisamos construir práticas que espelhem essas palavras e lhes confiram sentido vivo, encarnado em exemplos e vivências”, esclarece Alessandro. “Quando isso não ocorre, caímos num discurso esvaziado que quase sempre flerta mais com a demagogia do que com a produção de sentido”.

83% das pessoas afirmam que há machismo no Brasil, mas só 11% se consideram machistas

Fonte: Pesquisa Poderdata, 2021

“Os pais podem abordar o assunto a partir de exemplos do cotidiano, situações vistas por vezes em desenhos, filmes ou até mesmo falas e ações de pessoas próximas”, aconselha Helen. Ligia é mãe solo e cientista, uma profissão que é frequentemente associada a homens. Desde cedo ela conta que trata do tema com a filha, Clara, hoje com 12 anos. “Agora eu tenho a honra de integrar o Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável e eu fiz questão de ir na primeira reunião com ela, para que ela veja que as mulheres precisam estar nos espaços de poder”.

Humberto aproveita situações cotidianas para mostrar ao filho que homens também devem se preocupar com o cuidado. “Sabemos que na nossa cultura o cuidado dos filhos, da casa e do homem é delegado à mulher, o que a leva a sofrer uma sobrecarga física e mental absurda gerada pelo acúmulo de tarefas. Procuro assumir o cuidado do Apolo, da casa e da minha esposa equilibrando as demandas e tornando assim o ambiente doméstico mais leve, agradável e restaurador”.

É sempre bom lembrar que, apesar da boa intenção, estamos em constante desconstrução. Reconhecer e corrigir comportamentos também faz parte do processo. O mais importante é não desistir e continuar aprendendo e passando o conhecimento adiante, pensando sempre que o resultado vale a pena. “O machismo exige padrões. Ele quer encaixotar as pessoas naquilo que se espera de um menino ou de uma menina, e isso impede as crianças de serem quem elas são, seus gostos, suas brincadeiras, seus sonhos”, lembra Ligia.

Pode ser clichê, mas faz sentido: “Seja você a mudança que quer ver no mundo”. A educação parental é um caminho efetivo para uma sociedade livre de preconceitos. Questione e mude. Por você e pelo seu filho. E compre macacões amarelos com uma flor no centro para meninos ou meninas.

Criação sem machismo na prática

Veja essas dicas dadas por Hellen Mavichian, psicoterapeuta especializada em crianças e adolescentes e mestre em distúrbios do desenvolvimento, mãe de Pedro e João

Examine seus próprios preconceitos

Para ensinar sobre esse tema e aplicar isso é preciso fazer uma autoanálise;

Busque promover a igualdade de gênero

Ensine seus filhos desde cedo que meninos e meninas são iguais em direitos e oportunidades;

Ensine o respeito

Ensine seus filhos a tratarem todas as pessoas com dignidade e valorizarem suas contribuições e diferenças;

A mudança na educação das crianças começa com você! (Foto: Getty Images)

Ofereça modelos positivos

Além dos pais, é importante que os apresentem e exponham a modelos positivos de mulheres e homens que desafiam os estereótipos de gênero;

Incentive a expressão emocional

Permita que seus filhos expressem livremente suas emoções;

Ensine consentimento e limites saudáveis

Desde o contato físico até a tomada de decisões, ensine seus filhos a respeitar os limites dos outros e a se comunicar de forma clara e respeitosa;

Divida tarefas domésticas de forma equitativa

Envolva seus filhos nas tarefas domésticas, independentemente de gênero;

Promova o diálogo aberto e sincero

Crie um ambiente familiar onde o diálogo aberto sobre questões de gênero seja encorajado. Esteja disposto a responder a perguntas, discutir e desconstruir estereótipos;

Esteja atento a influências externas

Discuta com seus filhos as representações de gênero que eles encontram e ajude-os a desenvolver um olhar crítico em relação a essas influências;

Seja um modelo de comportamento

Suas próprias atitudes e comportamentos têm um impacto significativo na criação de filhos sem machismo.


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