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A falta que me completa…

Reprodução do Youtube
Reprodução do Youtube

Publicado em 03/03/2018, às 07h30 por Lô Carvalho


Parece que sempre falta algo, não é mesmo?! Não tem como negar, dizem que a necessidade de encontrar algo além de nós mesmos nasceu com a nossa consciência de humanidade – e talvez por causa dela tenhamos prosseguido adiante.

Fomos longe, assumimos como homo sapiens a postura ereta, desenvolvemos pensamento abstrato, dominamos a tecnologia, temos agora uma infinita capacidade de imaginar e de amar… Mas, parece que ainda falta algo.

Nesse mundo capitalista, os grandes empresários sabem bem como se aproveitar dessa “falta”: aquele vestido da liquidação, aquele corte de cabelo mais moderno, aquele curso de pós-graduação, aquele celular última geração, aquele carro, aquela escola para os filhos… E, agora, até aquele livro infantil sobre o qual todo mundo tá falando. Eu não tenho? Você tem?!

A falta e a necessidade são canalizadas para o ter e, com as mídias digitais, para o ter o que todo mundo tem – ou, pelo menos, que todo mundo “posta” que tem…

Minha primeira reação ao vídeo da blogueira Jout Jout sobre o livro “A parte que falta” foi de desanimo. Como autora e editora, sei o quão difícil é divulgar e vender um livro, principalmente no Brasil, onde todos lemos muito pouco ou quase nada. Daí vem uma moça da internet (com todo respeito), diz que leu o livro e que gostou muito e zás… Todo mundo sai correndo para comprar o livro e ele se esgota em poucos dias!

Poxa vida, é preciso contar com um blogueiro que não tem nada a ver com criança nem com literatura infantil para que as pessoas se convençam de ler um livro?! A obra foi escrita em 1976 e publicada no Brasil há mais de 5 anos. E só agora se interessaram por ela?!

Mas depois fui pensando, pensando… E comecei a ficar mais animadinha com essa história toda da Jout Jout e do livro infantil.  Veja só.

Em primeiro lugar, Jout Jout convida as pessoas para ouvir uma história lida. Lida com calma e com a emoção certa. Nada daquele atropelo nervoso tão característico dos esquetes dos blogueiros… Gostei da leitura em voz alta da Jout Jout (ela daria uma boa professora). Em uma época em que todo mundo que diz que falta tempo para ler, ela leu um livro inteiro diante da câmera. E mais de 350mil pessoas acompanharam a leitura. Detalhe, a maioria composta de jovens e de adultos.

Em segundo lugar, a moça escolheu um livro com um traço super simples, em preto e branco. Tenho certeza de que muita gente despreza livro ilustrado desse jeito. Parece até que falta algo… Onde já se viu livro sem cor para criança? Que sem graça! E Jout Jout não só leu o texto como fez questão de mostrar as ilustrações, página por página. Relacionou cada uma delas com o texto. Interpretou. Riu quando achou graça e chorou quando ficou emocionada. Tudo diante de uma linha preta trêmula sobre o fundo branco de uma página quase vazia…

Depois, mesmo sabendo que seu público é de jovens adultos, ela leu um livro infantil. Quer dizer, não sei bem se nos padrões atuais poderia ser considerado como um livro para criança. Há tanta censura, tantos limites, tantas regras que até mesmo o livro para a criança ficou, digamos, polido demais… Humor, non sense, suspense, opinião são elementos cada vez menos presentes na literatura para criança. Há até quem não leia um livro sobre lendas para uma criança pequena por que pode dar medo…

Bom quando escreveu o livro, Shel Silverstein provavelmente pensou nas crianças. Talvez não tão pequenas como aquelas que o mercado atual pretende alcançar, mas sem dúvida tinha crianças em mente. Não foi o seu primeiro livro para os pequenos leitores. Antes dele também escreveu, em 1964, o magnifico “A árvore generosa” (que eu adoro!) e muitos outros títulos.

Acredito que Silverstein queria transmitir uma mensagem para as crianças e jovens de sua época. Mas não creio que ele tinha os conceitos atuais de infância. Acho que ele disse o que ele tinha que dizer – e queria dizer.

Cartunista de revista exclusiva para adultos, ele tinha um humor apurado e um grande senso existencial. Sim, existencial. O sentido da vida, a ironia do destino, o vazio, a solidão, o tempo… Basta prestar atenção nas letras de algumas músicas de Jhonny Cash.

Sim, Silverstein também era letrista. Como parceiro de Jhonny Cash, cujas músicas são repletas de finitudes humanas, não tem como não reconhecer a sua intenção de mostrar aos jovens de que não adianta nada procurar fora da gente… Sua literatura para criança é existencial. E musical também. “A parte que falta” é um poema cantado.

Jout Jout parece se transformar em uma menina de 12 anos quando se emociona durante a leitura. E se lembra dos tempos antigos. E conclui sobre si mesma a partir do livro “a vida é essa grande preencheção e despreencheção de buraquinhos que faltam”.

É para isso que serve a literatura: quando um livro vem ao nosso encontro, nos emociona, diz algo sobre nós mesmos, sobre o mundo que nos cerca, sobre os outros.

É por isso que devemos ler sempre, todos os dias, para as crianças: para que elas possam desfrutar desse encontro, se emocionar, entusiasmar, prosseguir, transmitir…

E no final do livro, a linha preta de Silverstein prossegue de forma indiferente, adiante, sozinha, serena, revelando que ao fim e ao cabo existimos para nós, em nós…

Jout Jout, obrigada por ler em público. Obrigada por ler um livro em preto e branco com um desenho que mais parece um rabisco. Obrigada por ler o livro de um poeta e cartunista muito louco dos anos 60-70. Obrigada por “pirar” a cabeça de um montão de gente com coisa boa. Obrigada por mostrar que livro de criança também pode ser de adulto. E que tema de adulto também pode ser de criança.

Ah, e obrigadinha também por me fazer pesquisar sobre o Shel Silverstein, lembrar do vozeirão do Jhonny Cash e viajar aqui escrevendo este texto com as músicas deste grande cantor que eu amo tanto. Escrever, ler e ouvir música são borboletinhas que me agradam muito e que me completam, sem que com isso eu me sinta preenchida… E você, o que te completa?!

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