Publicado em 09/04/2021, às 07h54 - Atualizado às 12h50 por Claudia Werneck
Acabaram de nascer e logo são acarinhadas por corpos grandes com rosto melado de cremes antienvelhecimento, de textura e cheiro variados. Como recém-nascidos lidam com este estranho input precoce? Será que essas percepções ficam guardadas em algum tipo de memória sináptica, atordoando-lhes para sempre o olfato e o tato?
Não somos de vidro, que leva até um milhão de anos para se decompor. Nosso DNA combina oxigênio, hidrogênio, carbono e nitrogênio com dezenas de litros de água. É matéria prima finita e bastante perecível. Ao contrário do isopor e do plástico, rapidamente se desgasta – ainda em vida.
Desde os 20 e poucos anos envelhecemos, como prova o metabolismo. Quem nasce, cresce e envelhece. Morrer e envelhecer: são as opções que a vida dá. Pessoas muito jovens morrem. Pessoas muitíssimo velhas também. Existe a morte por velhice, sem relação com doenças. Há mortes instantâneas e inesperadas, em função de acidentes. Mas não há envelhecimento instantâneo. Ou inesperado. O envelhecimento é um processo contínuo.
A sociedade, no entanto, tem se dedicado a neutralizar a consciência do envelhecimento, fingindo que ele ou não existe ou começa repentinamente aos 50, 60 ou 70 anos. Dorme-se jovem. Acorda-se velho. Ilusão. Este salto quântico não existe.
O estigma do envelhecimento também se estende a especialistas da infância e a famílias. O que contam sobre envelhecer para as crianças? Temos estudado como melhor abordar, na infância, o assunto “morte”. O envelhecimento, não. Consequência, talvez, da força disseminada e deplorável do etarismo – a discriminação de pessoas mais velhas por considerá-las de menor valor para a sociedade.
Como notícia, não dá para esconder de uma criança a morte de alguém que ela ame muito ou com quem conviva diariamente. Mas dá para esconder o envelhecimento. É claro que elas notam a pele da mão mais flácida. Mas qual a relação exata dessa sensação táctil com a passagem do tempo que se dá entre a vida e morte? Envelhecer não é apenas um fato a ser revelado por si só. É também um conjunto de significados.
Envelhecer faz sofrer? A puberdade faz sofrer? Entrar na vida adulta faz sofrer? Para além da fisiologia, nós temos acreditado que sim, que “mudar de fase” no fluxo da vida faz sofrer. Ainda assim, aguardamos e valorizamos a chegada de cada fase, como parte natural do viver – com exceção do envelhecer.
A “malfadada” ponte entre crescer e morrer – o envelhecer – é um tema fundamental, a ser tratado desde a primeira infância. Se o gato comeu nossa língua bem na hora de falarmos sobre envelhecimento com as crianças, o azar não é só nosso. É das novas gerações também. Vamos rebobinar. Começar de novo. Relatar como é viver sem omitir fases da vida nem distorcer o fluxo da existência humana. A infância gostará de saber que a vida é uma corrida que vale muito ganhar. O prêmio? Acordar todo dia podendo envelhecer.
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