Publicado em 20/09/2021, às 07h51 - Atualizado às 08h38 por Claudia Werneck
O que existe entre a criança mais magra e a mais gorda da turma? Dezenas de crianças nem magras, nem gordas – igualmente distantes dos extremos, talvez com um peso médio único? Ou dezenas de crianças com pesos totalmente distintos? A pergunta faz refletir sobre o quanto as pessoas se sentem atraídas pelos extremos. Tudo é dividido em dois lados – um positivo e outro negativo – e avaliado a partir deles.
Acontece quando uma criança com deficiência chega à escola. Rapidamente, uma de duas coisas se dá. Ou ela se converte em desafio extremo, ou em presente maravilhoso. Ambas as opções são inadequadas.
Quando a criança com deficiência vira o foco principal de atenção da escola – e ainda assim, nem sempre é considerada uma parte legítima dela – se transforma em um álibi para que outras questões saiam de pauta. Como as crianças ali no “meio” – que não são percebidas nem como desafio nem como presente – estão?
Como dádiva ou como desafio, crianças com deficiência arrastam nossa análise para os pólos. Os extremos nos atraem porque nos dão segurança para observar qualquer situação. É um local confortável. Tão confortável que se aventurar pelo meio parece desnecessário e tacanho.
Mas as possibilidades do meio não têm nada de tacanhas. São nelas que vive e floresce a prática da inclusão. É no meio que residem as distintas formas de se rezar, comer, pensar, correr, enxergar, ouvir, amar ou não. Sempre que alguém ganha um rótulo – a mais ou a menos habilidosa da família ou da turma nos esportes, na matemática, na música ou no jeito de fazer carinho – ganha também um rótulo, um estigma. Fica para a vida.
A construção de estigmas tem relação direta com a nossa sedução pelos extremos e pelas comparações, a partir dos extremos. Vem da nossa dificuldade em refletir sobre o que não está catalogado a partir de uma métrica clara, de “mais” ou de “menos”, típica de extremos. É um universo com tantas nuances de reflexão, que com ele nos assustamos. Então recuamos aliviados, como um comandante que resgata o controle de seu navio depois de uma tempestade.
Somos treinadas para decisões fáceis, claras, irrefutáveis. No espectro desconhecido das opções do meio, entretanto, será diferente: a indecisão é maior e as opiniões – de pessoas que também evitam refletir sobre o meio – brotam e perturbam sem parar.
Os desafios da inclusão e da diversidade estão no meio. Em quem tem uma pele não totalmente branca, rosada, preta ou marrom. Em quem as vezes é triste e às vezes alegre. Em quem é bom para determinado esporte mas erra tudo no outro. Em quem tem um olho que tudo enxerga e o outro que nada enxerga – neste caso, seria uma pessoa com deficiência? Em quem está em transição de gênero. Em quem ama mulheres e homens sem impor a si mesmo uma ordem no afeto. Em quem disfarça se é velho ou novo, impondo a quem se importa uma meia idade indecifrável.
Testar as possibilidades do meio irá tornar mais saudáveis e menos competitivas as relações em família e na escola. Se os extremos são tóxicos, proponho considerar o meio como um espaço sagrado para se educar as novas gerações. É exercício novo, sem regras claras nem sinapses constituídas. Felizmente a plasticidade neuronal está a favor da mudança, a nosso favor.
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