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Como a literatura preta infanto-juvenil se transformou em ferramenta de autoestima e representatividade

Os livros podem introduzir assuntos muito importantes dentro de casa - Shutterstock
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Publicado em 18/06/2021, às 09h48 por Toda Família Preta Importa


**Texto por Helen Cypriano, mãe de Pedro, pedagoga e assistente editorial. Criadora de conteúdo na internet, mediadora, curadora e idealizadora do @quilombo_literario_sjc, uma influenciadora de leitura e ativista pela educação com ênfase em raça!

Os livros podem introduzir assuntos muito importantes dentro de casa (Foto: Shutterstock)

Sou uma mãe leitora, mas antes fui uma criança leitora. Comecei a ler na escola por incentivo da professora, caminho sem volta, passei a me refugiar na leitura e foi o melhor dos mundos e seguiria sendo se não houvesse um problema: as referências todas brancas. Nada contra Branca de Neve ou a Cinderela mas acontece que minha pele não era alva o bastante e eu nem tinha os belos cabelos loiros da princesa do sapatinho de cristal!

Minhas frustações da infância e adolescência serviram para que eu pensasse na hora de ofertar livros para o Pedro, aliás a maternidade provocou uma revolução em mim (calma já vou voltar para os livros… rs). Por causa do meu filho, entrei na faculdade de pedagogia e foi nesse momento que eu passei a questionar algumas coisas na universidade e as respostas para minhas inquietações eu encontrei nos coletivos negros que passei a conhecer e frequentar. Soube, então, dar nome ao meu incômodo “racismo”.

Parece absurdo que uma pessoa só se dê conta do racismo tão tarde no meu caso aos 27 anos, não que eu não soubesse o que era o racismo, mas eu era daquelas que achava que nunca sofreu até entender as nuances do “racismo à brasileira” e isso foi determinante para eu repensar toda a forma de educação que daria para o Pedro. Ao me interessar mais em ler e conhecer a literatura negra foi inevitável não acessar autores infanto-juvenis não apenas para o Pedro como também para meus futuros alunos, uma educação inclusiva e diversa passou a ser um dos meus maiores objetivos na educação e não tem como esse tema não passar pela leitura.

Julgo pela minha experiência como leitora que uma literatura representativa teria feito toda a diferença na minha infância, pois na fase adulta já causou uma revolução e foi determinante para que eu entendesse muitos processos pelos quais passei ao longo desses anos! Passei a garimpar livros para mim, para o meu filho, meu sobrinho, sobrinha e filhos dos amigos.

Cresci tanto com essas leituras quanto o meu filho, cada livro provoca uma enxurrada de perguntas e emoções, diálogos sobre cabelo, cor da pele. Tem sido um processo lindo e descobri que a literatura preta infanto-juvenil pode ser essa ferramenta maravilhosa e o melhor que ela está ao meu alcance, o lúdico tem um lugar muito importante na vida da criança. Brincadeiras, faz de conta, imaginação fazem parte do processo de aprendizagem tanto escolar quanto da vida. Que massa aprender e conhecer livros como “Meu avô africano” da Carmen Lucia Campos ou então “Os tesouros de Monifa” da Sonia Rosa que falam tanto sobre África e ancestralidade, sobre orgulho, família e comunidade! E se quer saber temos guerreiros também ou está achando que isso é privilégio só da Marvel, nos escritos de Marcos Cajé que nos leva para a Nigéria e nos apresenta o povo Igbo com sua história “IGBO e as princesas”.

Ancestralidade, espiritualidade, força de um povo é um pouco do que se pode encontrar nessa leitura. Vocês têm ideia do que isso pode causar na vida de uma criança preta? Do quão transformador isso pode ser para sua subjetividade? Do impacto dessas leituras? Somos fruto da educação que recebemos, seja ela formal ou do meio em que vivemos… Representatividade importa sim, não é só jargão que caiu na boca do povo, mas sim uma frase que tem fundamento uma vez que vivemos numa sociedade que se referencia pelo branco. Na nossa sociedade, o caucasiano do cabelo liso é que tem lugar ao sol, nós meio que orbitamos em torno dos brancos e na escola isso não é diferente!

Famílias pretas cuja consciência racial não chegou vivem alienados no seu mundo assim como eu fui. Mesmo sendo de uma família preta retinta conversas sobre racismo nunca foram tema, hoje eu sei que nem meus pais saberiam como abordar a questão. Estamos todos tão assimilados pelo sistema que muitas vezes não questionamos nossa volta, sofremos nossas violências calados sem saber como reagir a elas!

A reação vem primeiramente do fortalecimento da autoestima das nossas crianças e esse é um enfrentamento que deve acontecer dentro de casa, sei que muitos pais deixam essa parte de leitura na mão da escola, mas não podemos confiar ao Estado algo que é nossa obrigação. Dê ferramentas para nossos filhos enfrentarem o racismo que se manifesta na escola, por exemplo, que é o espaço onde sofremos nossas primeiras violências raciais e também é o espaço onde dificilmente veremos enfrentamentos reais ao racismo a menos que nós como família estejamos atentos e vigilantes.

É muito triste ter que pensar em mecanismos de defesa para nossas crianças, falar abertamente sobre racismo, violência policial etc. Pode ser e é muito doloroso, por isso, usar da literatura para abrir caminho para essa conversar pode ser uma ótima opção para começar a explicar como o mundo é para negros, e não apenas isso, mas também para mostrar onde podemos chegar, onde outras pessoas negras chegaram, ao encontrar histórias onde existam príncipes e princesas com nossas características traz um referencial positivo, eleva a autoestima e fortalece nossas referências. Em “O Pequeno Príncipe Preto” do Rodrigo França pude explorar a questão da cor de pele já que meu filho é fruto de uma relação inter-racial e seu tom de pele é mais claro que o meu, ainda usando o Pequeno Príncipe como exemplo, pude dialogar sobre traços como cabelo, lábios e o nariz de batata numa narrativa que valoriza esses aspectos que em nossa sociedade são ridicularizados, olha a potência desse livro.

Nem só de questões raciais podemos tratar nos livros infanto-juvenis pretos, a também a possibilidade de falar de sentimentos como no livro da “Ombela: A Origem das chuvas” do angolano Ondjaki, nessa história somos apresentados a uma Deusa Ombela que ao ficar triste chora e acaba formando os mares e depois ao descobrir suas lágrimas de alegria cria os rios e lagoas uma ótima oportunidade para falar sobre a importância do choro com nossos pequenos, que é preciso chorar quando há tristeza mas que também existe lágrimas de alegria, ou talvez falar sobre o medo do escuro com um livro divertido, rimado e potente que é o caso da obra do rapper Emicida “E Foi Assim Que Eu e a Escuridão Ficamos Amigas”. O medo é real mas com essa história a criança compreende que o medo tem mais de uma face e as vezes só precisamos enfrentar.

Se você ainda não se convenceu a gente pode valorizar a aparência fragilizada das crianças pretas através de livros que exaltem a beleza negra como é o caso de “Amoras” também obra do Emicida que fala de um jeito lúdico, poético sobre ser preto e ainda de quebra aprende personalidades pretas de grande importância mostrando para nossos filhos como o negro é lindo e que existem muitos caminhos, além da subalternidade que insistentemente é propagada pela mídia. Sabe as fabulas de faz de conta dos Irmãos Grimm que deram origens a muitas histórias que conhecemos? Temos uma versão africana com contos coletados pelo escritor Celso Sisto no livro “Kalinda, a princesa que perdeu os cabelos, e outras histórias africanas”. Na obra, conhecemos um pouco da vasta África algumas histórias desse continente tão diverso e rico. Sem esquecer da mitologia africana no livro “Caçador Popular” do cartunista Mauricio Pestana somos apresentados a Oxóssi e Ogum aprender sobre orixás em uma sociedade preconceituosa como a nossa é matéria difícil já que temos pouquíssimo conhecimento sobre, mas com linguagem fácil e lúdica do Mauricio Pestana isso é feito de forma brilhante.

E não é só para os pequeninos que temos oferta abundante de literatura negra de qualidade, revezo com meu sobrinho de 12 anos algumas leituras que se mostram muito necessárias para falar sobre questões espinhosas como, por exemplo, a violência policial. No livro “O ódio que você semeia” da escritora afro americana Angie Thomas conhecemos a Starr que passa por uma barra ao ser testemunha da morte do amigo Kalil pelas mãos de um policial. Mesmo sendo um tema forte, a pegada jovem do enredo deixa ele mais palatável sem perder a força da narrativa…

Em tempos de protestos como o “black lives matter” e as mortes de jovens brasileiros pelo braço armado do Estado fica bem fácil de dialogar com os adolescentes que precisam estar a par dos perigos que se tem em ser um jovem negro em um país racista como o nosso. Seguindo essa linha temos o livro “Cartas Para Martin” da também afro americana Nic Stone. Nessa história muitos jovens podem ser apresentados ao Reverendo Martin Luther King, grande ativista pelos direitos civis dos afroamericanos e esse também é um dos grandes benefícios da literatura preta, relatar a história através de ficção ou não apresentar personas que a escola muitas vezes se negam por conta do racismo institucional e estrutural, personas que nós como pais também não tivemos a chance de conhecer.

Um livro YA (Jovem Adulto) que mexeu com a adolescente que habita em mim foi “A poeta X” da Elizabeth Acevedo, que história potente e incrível essa autora escreveu. Fala sobre uma jovem oprimida pelo patriarcado, machismo e fanatismo religioso da mãe. Ela queria encontrar sua voz assim como muitos jovens e fez isso através da poesia. A história traz reflexões importantes, principalmente para meninas negras que são hipersexualizadas desde muito novas como é o caso da protagonista desse livro eu me vi nessa história e tenho certeza que outras jovens negras se veriam também!

É preciso que os pais de crianças pretas entendam a especificidade de criar seus filhos. Cada vez mais a consciência racial precisa ser despertada mais cedo e com mais urgência do que em qualquer outro momento, vivemos dias onde a questão racial está em voga, se fala muito disso e um dos motivos é o advento da internet, a facilidade de acesso e disseminação da informação. O ciberativismo e a denúncia de crimes raciais tem cada vez mais colocado a questão de raça como tema importante a ser discutido e debatido. Sem contar que um dos momentos que meu filho mais gosta é a hora de dormir o momento que ele escolhe a história que vou ler para ele e vamos para cama, assim eu leio e conversamos um pouco já que meu dia é corrido e na maioria das vezes não dou a atenção que ele merece. Sendo assim, a contação de história além de trazer todos os benefícios que já citei, fortalece o vínculo, cria laço e gera boas lembranças.


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