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Da criança que fui para as crianças de hoje

É apresentar a cultura afrobrasileira para as crianças, com referências e representatividade - iStock
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Publicado em 09/04/2021, às 11h16 - Atualizado às 11h16 por Toda Família Preta Importa


**Texto por Kamylla dos Santos, brincante, atriz, musicista e produtora. Fundadora do Grupo Baquetá, e desenvolve projetos focados na população negra e nos povos originários, mãe de Ayele e Ayole

É apresentar a cultura afrobrasileira para as crianças, com referências e representatividade (Foto: iStock)

Assim como muitas crianças negras, cresci sem me enxergar, sem referencial nas mídias, livros e brinquedos, sem o cuidado da escola em trabalhar esse pertencimento. Isso me gerou inúmeras faltas, problemas de autoestima e desvalorização. Nos livros didáticos, as únicas referências eram imagens do processo de escravização no Brasil. Na televisão, apenas crianças, personagens e apresentadoras brancas. Para as pessoas pretas, apenas os papéis de escravizados, serviçais, nunca de protagonismo. As poucas referências que tive de artistas negras que me marcaram profundamente na infância foram a Biba do Castelo Rá Tim Bum, a Pata das Chiquititas e a Mel B das Spice Girls. Passei a infância e adolescência com apenas 3 referências na mídia. Grupos de música para crianças com artistas negros ou trabalhando essa temática não conheci nenhum. Mesmo tendo crescido em uma família negra, minha vivência foi toda pautada por um universo embranquecido.

Ao começar a frequentar a faculdade, já com 18 anos, tive acesso a manifestações que me conectaram com minha ancestralidade e me permitiram assumir minha negritude com força e beleza. Minha primeira referência foi o Maracatu, que me apresentou um Brasil negro, com musicalidades e vivências que faziam sentido para a minha existência. A partir daí, juntamente com minha paixão por crianças, comecei a pesquisar manifestações culturais afro-brasileiras e a ideia de um projeto para crianças começou a se delinear.

O Grupo Baquetá como ferramenta de representatividade

Em 2009, na cidade de Curitiba (PR), em parceria com amigos negros que também pesquisavam manifestações afro-brasileiras, surgiu o Grupo Baquetá, com o intuito de desenvolver espetáculos teatrais, musicais e de dança com base nessas expressões culturais afro referenciadas. Nosso primeiro projeto foi uma peça de teatro, que integrava música e dança, apresentando diferentes manifestações negras do Brasil. Fizemos uma primeira temporada durante as férias, apresentando para professores e seus familiares. Foi um sucesso mas, por falta de incentivo, paramos de apresentar e só retomamos o grupo em 2012, quando criamos o Baquetinhá, espetáculo musical com composições próprias e algumas de domínio público, interpretadas em ritmos pretos como o samba reggae, o maracatu, o jongo e o ijexá. Esse espetáculo é apresentado até hoje e, depois de nove anos, lançamos nosso primeiro EP nas plataformas digitais em março de 2021.

Em 2014, estreamos a peça teatral Nhanderecó – Uma História que Também é Nossa, enfatizando os saberes dos povos originários do Brasil. Percebemos em nossas vivências nas escolas a falta de reflexões atualizadas sobre os povos originários do Brasil, sobretudo para as séries iniciais. Essa peça traz histórias, cantos, problematizações sobre o extermínio dos povos indígenas, numa linguagem acessível para crianças a partir dos 3 anos. Quando falamos em práticas antirracistas, é de extrema importância abranger os povos indígenas, que também sofrem com o racismo institucional no Brasil.

Em 2018 criamos o espetáculo teatral KARINGANA UA KARINGANA! Histórias de Áfricas com o intuito de aproximar temas que fazem parte da história e cultura brasileira e que muitas vezes são vistos de forma afastada ou exotizada. Composto por contos de origem africana e afrobrasileira, o espetáculo traça uma rota de identificação com nossas raízes negras. Temas como diáspora, autoestima, ancestralidade, circularidade, meio ambiente, espiritualidade, escravização da população negra, linguagem e diversidade são abordados através de técnicas de contação de histórias, danças de matrizes africanas, cantos e brincadeiras. Desmistificar a idealização de “África” como um lugar longe, antigo, arcaico e pequeno e apresentar a potência de um vasto continente, berço da civilização, mãe de grandes saberes científicos e tecnológicos.

Uma das preocupações do grupo é aplicar as leis 10.639/03 e 11.645/08 que tratam da obrigatoriedade do ensino das histórias e culturas africanas, afrobrasileiras e dos povos indígenas para todos os âmbitos da educação. Atualmente o Grupo está em processo de criação do espetáculo Bamberê, que apresentará ritmos afro-brasileiros brincados nas ruas como o rap (movimento Hip Hop), o funk e o samba-reggae.

O Grupo passou por muitas mudanças e cada vez mais aprofundamos num processo de afrocentramento, focando em produzir conteúdo com base nos saberes das diásporas africanas e dos povos originários do Brasil, enfatizando a riqueza desses saberes e apresentando novas possibilidades de vivências descolonizadas para crianças, jovens e adultos. Baquetá tem como compromisso gerar conteúdos antirracistas, provocando reflexões para diferentes faixas etárias, que abarcam desde a educação infantil, até o universo adulto. Todos os integrantes do grupo são afrodescendentes e temos o cuidado de criar sempre figurinos e cenários em que as crianças negras e indígenas se vejam e sintam-se pertencentes e cheias de potência.

A arte como cura da autoestima negra

O Grupo, para mim, marca um processo de cura da minha infância. A cada música ou história cantada e contada, vejo meus olhos de criança brilhando e se nutrindo de ancestralidade e representatividade. Hoje sou mãe de duas crianças, e tenho o cuidado de escolher e apresentar para elas um mundo referenciado em nossas raízes africanas e ameríndias – Amefricanas – como dizia Lélia Gonzales. Desde a escolha do nome delas, acompanhamento de parteira tradicional para seus nascimentos, a alimentação, vestuário, livros, brinquedos, músicas e vídeos, buscamos “sulear” suas vivências. Sulear como antônimo de nortear. De acordo com o professor Renato Noguera, o mundo ocidental busca o Norte – a Europa e sua branquitude. Nossa conduta é oposta, suleando os saberes e retornando para nosso chão – povos originários e africanos. É um remar contra a maré e enfrentar um sistema hegemonicamente branco. Mas a cada dia nos fortalecemos mais como família, como grupo, como uma comunidade que busca transformar nossas futuras gerações, começando por nós mesmos.


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