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“A Filha Perdida”: filme fala sobre mulheres na maternidade, com fantasias e dificuldades

“A Filha Perdida” rompe estereótipos maternos - Reprodução/Netflix
Reprodução/Netflix

Publicado em 20/01/2022, às 09h27 por Com a Palavra


**Texto por Silvia Lobo, mãe de Adriana, Suzana e Maurício; psicanalista, psicóloga, socióloga, docente da Sociedade Brasileira de Psicanálise e autora dos livros: “A Paciente, a Analista e Dr. Green”: selecionado no Prêmio Jabuti; “As Mães que fazem Mal”; e “A Solidão da Mulher e outras mais”

"A Filha Perdida" rompe estereótipos maternos
“A Filha Perdida” rompe estereótipos maternos (Foto: Reprodução/Netflix)

Filme intrigante e instigante, com roteiro premiado no Festival Internacional de Veneza, baseado em um livro da aplaudida escritora Elena Ferrante. Todos estes requisitos tornam este filme de início alvo de promissora expectativa de qualidade na narrativa, no desenrolar da trama, no desempenho dos atores, na consistência dos personagens. Contudo, isto não se dá, a expectativa é frustra. O filme decepciona no que promete, no que sugere, no que inicialmente deixa entrever.

O que incita a pergunta: “Por que a comoção em seu entorno? Qual a razão das aclamações que recebe e dos insistentes convites para que seja visto?”. Tento entender. Penso que é sobretudo, um filme sobre mulheres, que atrai mulheres, nas identificações que permite com a protagonista da trama: mulher jovem adulta, mulher insatisfeita consigo própria, mulher enfadada com o parceiro, mulher em busca de um valor fora da casa, mulher coibida na maternidade.

Desta perspectiva, “A Filha Perdida” atrai em muitas direções e apela para desejos e insatisfações que fazem parte inseparável da experiência humana. O fato das principais personagens serem mulheres e em torno delas se desenrolar os conflitos, os diálogos e as ações explica em grande parte o entusiasmo feminino pelo filme.

Mas afinal do que trata o filme?

Leda, professora de Literatura Comparada, chega de férias em uma praia do Mediterrâneo, onde aluga uma pequena casa em um local simples onde há uma modesta comunidade local que oferece comida, algum serviço de praia para hóspedes e visitantes que ali e atracam em seus barcos.

A princípio entretida com seus livros e apontamentos, Leda vê sua curiosidade despertada pelo desembarque de uma numerosa família cujas pessoas, no bando que constituem, fazem pensar em ciganos, ainda que não o sejam. Dentro do grupo recém chegado destacam- se duas mulheres: Rosaria, mais madura que ostenta uma gravidez tardia e Nina trazendo no colo uma pequena menina, Elena, talvez, com cerca de cinco anos.

A partir deste início, o roteiro vai e volta entre o passado e o presente no desenrolar da vida de Leda, casada com um homem que pelo trabalho viaja e mãe de duas garotas entre 4 e 5 anos, que muito a solicitam e frente as quais, ela quase que a todo apelo, delas se evade. A exaustão e desinteresse da personagem frente às filhas são notórias, a impaciência é ostensiva e se expressa no ignorar o que elas lhe pedem, em carinho, em atenção. E quanto mais Leda se nega, mais as crianças solicitam. A relação anuncia um impasse insustentável, à beira de explosão. A tensão se amplifica e o clima dentro da casa é claustrofóbico, enlouquecedor: crianças choram, gritam e insistentemente pedem, enquanto a mãe ensurdece, se imobiliza, se exaspera.

Para quem assiste fica claro que Leda não pertence àquele lugar, não faz parte daquela família, seus desejos estão fora dali, em outro lugar. Mostra interesse pelo estudo, pelos livros, pelo que escreve, é descrita como talentosa, condição que se mostra com clareza no decorrer do filme. Em certo momento, viaja para um seminário, onde um ponto de vista seu é citado pelo professor convidado. Homem sedutor, vaidoso, por quem se sente atraída, com quem se envolve sexual e emocionalmente. Ao voltar para casa, assume para si a insuportabilidade daquele lugar e decide ir embora. As crianças hesitantes buscam proximidade e pedem para a mãe fazer algo que as unia e alegrava: descascar a laranja sem romper a casca, como um brinquedo, um bicho que se movia. Lembrança lúdica a ser guardada da mãe em momentos raros de despreocupação e entrega. Caberá ao pai cuidar delas, que implora para Leda não ir. Ela vai e por três anos dali se afasta.

Sabemos desta história através das cenas em flashback e das conversas de Leda com Nina, quando mais próximas, compartilham a exaustão da maternagem, a insatisfação com o casamento e a cumplicidade nas relações sexuais casuais, como entretenimento que dribla a falta de sentido da vida.

O filme "A Filha Perdida", da Netflix, questiona vários aspectos sobre maternidade e filhos
O filme “A Filha Perdida”, da Netflix, questiona vários aspectos sobre maternidade e filhos (Foto: Reprodução/Netflix)

Penso ser um equívoco considerar “A Filha Perdida” um filme sobre a maternidade e a exaustão causada pela criação de filhos. O filme fala de mulheres na maternidade, com fantasias e dificuldades. Podemos pensar que se trata da maternidade sendo vivida por mulheres que não deveriam ter engravidado, pelo desejo de estarem em outro lugar. Mulheres alheias ao sentido de gerar, de parir e de criar. Escapa-lhes a magnitude desta experiência, donde a privação, renúncias, e dedicação – que toda criação implica -, tornam-se insuportáveis e mortíferas. Crianças reagem ao se sentirem rechaçadas tornando-se vorazes, exigentes, insatisfeitas. Gritam contra a falta de interesse e cuidado dos que delas cuidam. Em contrapartida são cooperativas e apaziguadas quando se sentem amadas. Assim, a maternidade não pode ser definida como traumática, ainda que possa, deste modo, ser vivenciada. Infortunadamente.

De fato, a experiência focada pelo filme pode ser vivida com horror. Não existe “a maternidade”, mas maternidades! constituídas por mulheres singulares de diferentes maneiras. Os bebês e o apoio que as mães recebem configura essa experiência, assim como as marcas trazidas do passado das filhas que foram.

Na caracterização que o filme faz de uma vivência claustrofóbica da condição de mãe, “A Filha Perdida” poderia ser visto como desmistificando a ideia consagrada da maternidade santa. E neste aspecto prestaria um serviço. Contudo, corre o risco no que exibe de passar da idealização para a demonização da fotografia materna que apresenta e que se repete na experiência de outra personagem, sugerindo nessa repetição – em Nina-, algo intrínseco e universal às mães. É por esta perspectiva, que o final do filme é decepcionante, pois rompe a seriedade da narrativa, banaliza as experiências dramatizadas, descaracteriza o dano anunciado. A história relatada se convencionaliza: mães e filhas correspondendo ao clichê socialmente proposto.

Sabemos ser exasperador cuidar de crianças e ter uma tese, um relatório, um trabalho a desenvolver ao mesmo tempo. Um e outro exigem dedicação, senão exclusividade. Há que se priorizar o momento de um e de outro. Por isso o filme grita pela necessidade vital de que a escolha da maternidade se faça não pelo parceiro, não por interesses mundanos, mas que se faça por si. É este querer para a própria vida, que salva mães e os que delas nasceram da desesperança, do ódio e do ressentimento.

Por fim, resta em aberto a dúvida sobre o título “A Filha Perdida”. Há três filhas no enredo desamparadas e há duas mães angustiadas. Como entender a metáfora no título contida? Talvez, possamos supor ser a filha perdida aquela que não pôde existir, não pôde ser sonhada, não pôde ser cuidada, não pôde ser amada. Filha perdida na experiência de maternagem que Leda e Nina não puderam realizar e filha perdida no que as filhas desta história não puderam viver. Enredos de vida incontrolados pelos seres, profunda e desastradamente humanos, que todos somos.


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