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Balão até você, pai

Bruno, à esquerda, e Enrico, à direita, preparam seus desenhos antes de ganharem o céu - reprodução/Arquivo Pessoal
reprodução/Arquivo Pessoal

Publicado em 09/11/2020, às 11h49 - Atualizado às 12h42 por Com a Palavra


** Texto por Denise Meira do Amaral, jornalista, e assistente de direção, tia de Bruno e Enrico. Ela está preparando um documentário sobre seu processo de luto,

Bruno, à esquerda, e Enrico, à direita, preparam seus desenhos antes de ganharem o céu (Foto: reprodução/Arquivo Pessoal)

Pai, você se foi há seis meses e deixou em mim cicatrizes profundas ainda visceralmente expostas. As fotos são do meu primeiro Dia dos Pais sem você. Quando comprei bexigas com gás hélio nas cores azul e branco e fui ao parque com minha mãe, irmãos e os bebês fazer um piquenique em sua homenagem. Em meio a sanduíches de peru e queijo e pães doces apoiados em uma canga com a fotografia do Copan, pedi aos pequenos que desenhassem algo para o vovô Marcelo. Era uma forma de elaborar o luto deles – e o meu.

Bruno, de 7, riscou algo difícil de entender. Por ser mais velho, ele entende melhor o conceito de morte e sua ausência. Enrico, de 5, desenhou uma escada com três pessoas. A do alto, você, pai, e abaixo, subindo, ele e o primo. A ideia era construir uma escada tão grande capaz de chegar até o céu. Enrolamos os desenhos nos balões e lançamos no espaço. Eles ficaram fascinados, torcendo por eles, até perder de vista: “Olha como está indo rápido! Já, já vai chegar no vovô”!

A ideia da escada surgiu em uma conversa com a Renata, quando o Enrico perguntou após o banho: “Mamãe, estou chamando o vovô bem alto, mas por que ele não me responde?”. Em seguida, emendou: “E se a gente fizer uma escada bem alta e chegar até o céu, a gente pode ver o vovô”?

Enrico e sua escada que o levará até o “vovô”, no Dia dos Pais (Foto: reprodução/Arquivo Pessoal)

Ao me ver chorar por diversas vezes, Bruno, o mais velho, inventou um método. Ele se teletransporta para o céu quando bem entender e me conta como você está. “Tia Dedé, acredita que o vovô está lá tomando Schweppes, de chapéu, ao lado do Rabicó e do vovô Pedro [meu avô]? Ele ainda ficou me chamando de chupetão”, conta, imitando a sua voz, rindo. Antes de ir embora – e com medo de que eu volte a ficar triste – ele profetiza: “Sim, Salabim, que a Tia Dedé também possa ver o vovô quando ela quiser! Plim! Pronto. Agora você não precisa da minha mágica. Você também tem superpoderes”. E, com cuidado para ninguém ouvir, ele me pede no ouvido: “Tia Dedé, não conta essa mágica para ninguém, porque nenhum adulto acredita nela. Só você”.

Pai, o Bruno também se especializou em ler pensamentos. Sempre que me vê com olhar baixo, pergunta: “Tia Dedé, por que está com essa cara?”. E antes que eu responda, arremata: “Já sei! Você está pensando no vovô!”. Ele nunca erra. Outro dia, antes de dormir, montou um acampamento ao lado da minha cama, e depois de brincar de estar sonâmbulo algumas vezes, ficou mudo. Foi a minha vez de perguntar: “O que foi, bebê?”. Ele fechou os olhos e soltou apenas uma palavra, mas que traduziu toda sua dor: “Vovô”.

Bruno criou um método de teletransporte aonde vai até o céu e conta como o vovô está (Foto: reprodução/Arquivo Pessoal)

Meu maior medo é que eles se esqueçam de você, pai. Imprimi fotos armazenadas no celular e montei um álbum de cada um – muitas delas com você. Ampliei uma foto sua com os branquinhos, o Cosme e o Damião, e pendurei no quarto deles, entre os adesivos da Patrulha Canina e dos heróis do Avengers.

Coloco vídeos. Assisto com eles. Tem você dormindo com o Bruno, abraçado. Você ensinando piano para o Enrico. Você brincando com os cachorros, na cozinha, com o Bruno. Você com o Enrico no colo jogando no celular e mexendo na sua orelha. Tem você de Papai Noel no Natal. Tem também um mais recente do Bruno te observando, em silêncio absoluto por minutos, sentado em uma cadeira na garagem, com o corpo já enfraquecido por conta do câncer no sangue. “Vovô, por que você está triste?”, ele pergunta. Lembro que chorei ao filmar esse vídeo, da janela da cozinha. Choro novamente cada vez que assisto.

Da esquerda pra direita: Minha mãe Clara, eu, meu irmão Rodrigo, você, e minha irmã Renata durante Natal em casa. Abaixo: Enrico e Bruno (Foto: reprodução/Arquivo Pessoal)

Em seus últimos dias no hospital, já sem conseguir andar, você disse durante a visita de um médico amigo meu, o Gi. Ele perguntou qual era seu maior incômodo no momento. Você disse que não era a confusão, o sono excessivo ou a dor que dominava seu corpo, por conta do mieloma múltiplo, mas sim a possibilidade de ter um futuro anulado. Que você queria zelar pelos três filhos e pelos netos. Cuidar da gente. Educar. Eu escuto isso na cadeira ao lado. Começo a chorar. Gravo o áudio no WhatsApp e mando para os meus irmãos. Você também disse que estava chateado porque queria terminar de escrever seu livro, mas não conseguia.

Apesar de ter muito sono, lutava para manter você acordado. Coloquei Caetano e Carminho. Você me pediu Fascinação, com Cauby, os sonhos mais lindos sonhei, e Chiquinha Gonzaga. Na verdade tinha medo de você não acordar mais, pai. Você não sabe, mas à noite dormia segurando a sua mão. Não queria que sentisse medo. Acordava assustada de madrugada para ver se você estava respirando.

Eu e você, nas nossas últimas semanas juntos (Foto: reprodução/Arquivo Pessoal)

Um dia, meio confuso por conta dos medicamentos, você pediu para eu procurar seu paletó cinza, de cotoveleiras, que comprou em Portugal. Disse que estava em casa, no seu armário. Foi com ele que te vesti no seu velório. Espalhei fotos sobre seu corpo, de você feliz. Você não imagina quantas pessoas me escreveram falando de você.

Paletó que você comprou em Portugal, sua cidade preferida (Foto: reprodução/Arquivo Pessoal)

Pai, na noite do dia 6 de maio, meu irmão trocou comigo. Nesse dia você não quis almoçar nem jantar. Nem comer o chocolate amargo que você gostava e que eu contrabandeava para dentro do hospital. Você só tinha tomado café da manhã: abacate, mamão, iogurte de coco e Yakult. Nesse dia seu coração estava acelerado. Você estava suando frio e ofegante. Chamei pelo meu irmão. Estava com medo. Ele passou a madrugada com você. Umas cinco, seis da manhã você chamou por ele. Disse que estava com falta de ar. Ele te olhou e você disse suas últimas palavras: “Não chora, filho”.

Três dias antes de você partir coloquei os vídeos da nossa viagem ao Japão no hospital. Assistimos juntos. Tinha você andando entre as cerejeiras. Tinha o metrô de Tóquio lotado. Tinha as tias da minha mãe recebendo a gente tão bem. Tinha a gente perdido na estação de trem. Tinha você tentando montar a árvore genealógica do lado japonês. Tinha você e minha mãe dormindo no futom, no chão – e que você nem sabia que eu tinha filmado até então. A última cena você estava no Monte Fuji, andando até a água. É a cena mais bonita da minha vida. Deixei essa foto no seu peito, sob o paletó cinza de Portugal. Queria que você ficasse com essa imagem dentro de você, pai.

Foto da nossa viagem ao Japão, em 2018, com o Monte Fuji atrás (Foto: reprodução/Arquivo Pessoal)

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