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Maid: uma reflexão sobre a série da Netflix que precisa ser discutida

A série da Netflix Maid levanta pontos importantes sobre parentalidade - iStock
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Publicado em 18/10/2021, às 16h32 por Com a Palavra


**Texto por Silvia Lobo, psicóloga e psicanalista, autora do livro “Mães que fazem mal”, mãe de Adriana, Suzana e Maurício

A série da Netflix Maid levanta pontos importantes sobre parentalidade
A série da Netflix Maid levanta pontos importantes sobre parentalidade (Foto: iStock)

“Se você ou alguém que conheça sofreu violência doméstica e precisa de ajuda procure…”. Este é o alerta que a série Maid nos faz com roteiro que emociona, atores competentes e direção notável. Vale a pena!

Em situação de ameaça não fiquem sós! É a perspectiva com que Maid tem sido apresentada e discutida na denúncia de relações de abuso psicológico vividas na intensidade do que se passa na vida cotidiana. No centro da trama temos Alex envolvida com Sean em um relacionamento que, antes de se tornar violento, se fez por amor e bom sexo. Deles nasce Maddy, pequena menina que mobiliza a trama e o casal.

Contudo, ainda que nenhuma dúvida paire sobre este tema estar bem presente na série, podemos pensar que nela encontramos muitos outros motivos de reflexão e denúncia, que também nos entristecem, nos sensibilizam e, com certeza , nos mobilizam suscitando o ímpeto de intervenção. Explico.

Maid nos apresenta além do abuso uma história na qual as relações de maternidade e de paternidade são ampla e abundantemente ilustradas nas experiências afetivas complexas e dramáticas vividas por seus personagens, que se elevam acima de seu pertencimento de classe, idade, nível econômico, raça, gênero, escolaridade. Pais, mães, filhas e filhos são mostrados na importância de seus conflitos, ambivalências e dores, sem deixar nada em aberto.

No decorrer dos capítulos a palavra gravidez é inúmeras vezes mencionada: mulheres engravidam, buscam fertilizações, doação de óvulos, de sêmen e barriga de aluguel. Mulheres permanecem no casamento ou retornam a ele em nome dos filhos. E por outro lado, faz-se referência a mães que fazem mal: que prende filho no quarto com cadeados e a que nada sente diante da chegada do filho bebê. A própria mãe de Alex é mostrada em sua inconfiabilidade: livre nos desejos e louca na irresponsabilidade e na falta de cuidado e na inaceitação dos limites sugeridos pela filha, ainda que mostre afeto por ela e pela neta.

Em suas palavras: “Não posso ir com você. Não é para mim. Não sou tediosa. Sou cigana, gosto de viver em movimento. Não vivo na rua, vivo sob as estrelas”. Alex diante disso, não sabe o que dizer, nada do que a mãe diz faz sentido para seu código de regras, por vezes, demais severo.

Quanto aos homens, a serie dá destaque a seis pais, hesitantes, ambivalentes no amor e na distância; homens que tentam, acertam, fracassam, recuam, fraquejam, fracassam, decepcionam, se desculpam. Pais humanizados, aliados entre si, mas incompetentes. Maid por momentos, passa perto do risco de colocar os homens dentro de certo clichê. Mas escapa! As fragilidades são expostas, nunca ocultadas. E a denúncia não atinge apenas as relações entre pessoas, mas, se estende ao que se passa no campo social no qual a pobreza vira miséria e retira direitos, anula a cidadania.

A série abre seus questionamentos e nos faz encarar as relações entre mulheres, ora em situação de aliança ora de competição e com a devida crueza nos exibe as diferenças pessoais no injusto acesso ao conforto, a beleza, a segurança a partir das diferença em oportunidades na vida e na utilização do dinheiro. “Difícil não querer a vida delas, cobiçar”, grita ao expectador o desamparo trazido por essa discriminação, o abuso nela contido. Como é dito: “Cliente não é amiga de empregada. Quando parece conversar, fala com ela própria. Se você morrer e for outra em seu lugar , ela nem vai perceber”.

Maid está entre as séries mais vistas da Netflix.
Maid traz a realidade de muitas mulheres (Foto: Reprodução/ Netflix)

A partir do caminhar dos personagens e, sobretudo, de Alex, a protagonista, nos inteiramos das sete instituições procuradas de amparo ao desabrigado, que também o desampara perdido nos meandros da burocracia e das exigências formais, norteadas pelo princípio de que coisas importam mais do que gente.

Maid não traz uma proposta simples, mas complexa, na narrativa que nos apresenta. Sean, companheiro de Alex, que abre a série aos gritos e arremessando objetos nas paredes e no ar, no decorrer dos episódios vai mostrando sua ambivalência, no constrangimento pela violência que não domina, no arrependimento pelo atos que agridem as duas pessoas que mais lhe importam: mulher e filha. O abusador é a fachada de um alcóolatra, vicio que o torna um monstro. Da dependência provêm o descontrole. Sean também aparece caracterizado no machismo, que é seriamente descrito ao expectador, para que possa identificá-lo nas relações comuns, cotidianas, dentro e fora de casa, como parte intrínseca da convivência entre homens e mulheres, ainda hoje. São os homens a serem estimulados às conquistas, são deles os sonhos de desenvolvimento, são eles a serem confortados e reerguidos pelas mulheres no desalento, são eles a serem valorizados e agradecidos pelo sustento.

Não esqueçamos, porém, que também os vínculos de cooperação amorosa expressam afetos desencontrados, confusão de desejos e preconceitos arraigados que interferem, perturbam e que exigem reconhecimento e lida. O machismo contamina, inclusive as mulheres. Em Maid, não há demônios nem anjos, ainda que, por vezes, assim pareça. O evidente é que há vítimas: a miséria, em todos os seus tons e em toda sua impiedade, ilustra os descaminhos da vida dos personagens em uma sociedade que não abriga, não acolhe, não socorre cidadãos que desamparados e desesperados se defendem na submissão e na agressão, que aparecem associadas na busca de saída. No fracasso da ordem social em oferecer ajuda confiável, são as relações pessoais, são as alianças de piedade, de solidariedade, por vezes até, provindas de estranhos que salvam, aliviam, amparam. Estranhos oferecem solidariedade e ajudam com dinheiro, alimento e transgredindo regras.

Curiosamente, os sonhos dos pais são depositados nos filhos. Eles carregam a esperança de uma vida melhor, neles se deposita o motivo da luta pela mudança de si, como pais e como mães. Por eles a vida é defendida, a dignidade é buscada; por eles, surge o desejo de tornar-se melhor como ser humano; por eles, busca-se a remissão de vícios, adições e o resgaste de convivência amorosa.

Há um momento em que cinco mulheres em um grupo terapêutico se referem ao dia mais feliz de suas vidas e a quase todas se referem a um acontecimento ligado à existência dos filhos ou a própria condição de filha. Neste momento, Alex assinala que seu dia mais feliz ainda não chegou, mas está próximo: vai entrar em seu carro, abarrotado com seus pertences e pegar a estrada com sua filha maravilhosa… E este novo mundo é para ela.

Alex, passa os capítulos da série, em quase sua totalidade, abraçada à filha. A filha a ampara, a esperança, lhe dá amor; a filha a alegra, a vê, recebe confidencias; a filha lhe dá um futuro, lhe permite sonhar. Sean, assinala com tristeza, que mães sabem como machucar os filhos quando os atacam, cabe aprender que não falam a sério e afirma, no momento da despedida, que por enquanto não visitará a mulher e a filha: vai curar o vício e só depois, as verá o tempo todo. A frase: “Quero melhorar para os meus filhos” é dita várias vezes e aparece implícita nas atitudes de vários personagens.

Maid está entre as séries mais vistas da Netflix.
Maid está entre as séries mais vistas da Netflix (Foto: Reprodução/ Netflix)

Assim, Maid, paradoxalmente, na veemência de suas denúncias e na delicadeza das emoções que expõe, ratifica a união inseparável de pais com filhos e filhas, sobretudo, mães. Função secular, proteção permanente e justificativa de vida. Mensagem a ser refletida pelos expectadores da série. Podemos pensar que pais, homens e mulheres, como descritos, retratam sem o saber e as crianças tampouco, o quanto através delas se protegem da solidão.

Curiosamente, apesar da aposta na maternidade como balsamo e perspectiva de futuro, em duas oportunidades é assinalada a importância da autonomia, a necessidade da luta pessoal por existir. Uma delas aparece na ênfase dada ao lugar do trabalho na vida da mulher. Assim é dito: “Nunca deixe ninguém te diminuir pela trabalho árduo que faz – o trabalho é a única coisa certa que podemos ter, o resto é instável”. Em outra, Alex cria um grupo de escrita e assinala a alegria em aprender a ser escritora. Diz ela: “Escrevemos para nós, para sermos sinceras com nós mesmas. Escrever é mais fácil do que falar. Temos valor e nossas palavras também. Ninguém pode tirar nossa escrita, porque é nossa!”.

Esta é uma Alex libertaria, virando uma página trágica de sua existência e que, pode sonhar com um futuro seu que inclui a filha amada, mas não se substitui, não se perde de si neste amor. Em suas palavras: “A trilha é longa em zig-zag, mas vamos chegar ao topo e do alto da montanha vou mostrar a ela nosso novo lar”. Assim é a vida.


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