Colunas / Mãe de Mochila

A vaca

Rebecca Barreto
Rebecca Barreto

Publicado em 13/10/2017, às 08h01 - Atualizado em 18/10/2017, às 07h21 por Rebecca Barreto


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(Foto: Rebecca Barreto)

Outro dia sai de bicicleta por aí. Passei por uma sequência muito louca de prédios, um ao lado do outro, um templo moderno do Sathya Sai Baba Center, cheio de fotos do Baba em vidros azulados, seguido de uma igreja católica recém reformada, daquelas de traços tão modernos que mais parecem uma clínica de exames, colada num tradicional e multi-colorido templo chinês, cheio de estátuas douradas, telhados trabalhados, e flores de plástico com incensos flamejantes, de arquitetura tradicional. Um retrato bem acabado do caldeirão de culturas que é Singapura.

Acho que todo país gosta de se nomear Caldeirão de Culturas. Quando morei nos EUA, me lembro desta expressão saindo da boca de muitos americanos orgulhosos que não se davam conta de que ali, as diferentes culturas são tão separadas que não se prestam “a mistura de um caldeirão”, cabem melhor naqueles pratinhos de criança que já vem com compartimentos e divisórias para separar cada sabor.

O Brasil também sempre se reconheceu na expressão. Lembro que ouvia muitos dizerem que somos tantas culturas que até já perdemos nossa identidade original. E, de fato é. Toda família tem no mínimo umas 6 descendências, e, por mais loirinhos que alguns sejam, todos se dizem netos ou bisnetos de índios.

Aqui em Singapura as quatro etnias nem sempre se misturam, mas convivem. Malaios – de maioria muçulmanos, Chineses – muitos vindos de imigrações anteriores ao Mao Tse Tung, normalmente acadêmicos e estudiosos perseguidos e outros, Chineses novos ricos, endinheirados e recém chegados, cheios da soberba dos milhões. A estas, se juntam os coloridos Indianos, empreendedores que enraizaram e criaram partes lindas dos quarteirões indianos na cidade, e a eles, se juntam os Ocidentais, ou seja, o resto do mundo. É um país que segue portanto quatro calendários de feriados e festividades. Pascoa e Natal tem tanta importância cultural e comercial que um Hari Haya, Deepavali ou Ano novo Chinês.

Meu filho começou estudar numa escola local, tocada por uma família católica. Fica numa casa linda, histórica, na minha rua. Fui ver. Não somos religiosos, nem um pouco crentes de uma única verdade, mas ali a religião não parecia ser a tônica maior. Achei boa a experiência de  meu filho se entrosar logo cedo nesse caldeirão de culturas.  E como é ainda pequeno, não vai sair dali robotizado. A diretora me ganhou ao mostrar um projeto de horta, uma sala de música e um túnel “hobbit” no quintal.

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(Foto: Rebecca Barreto)

Depois de alguns meses, todas as crianças que antes choravam, pararam de chorar. E ele, que desde início não chorava, começou a chorar para ir para escola. E muito. Pedi algumas conversas com a diretoria, enquanto tentava ajudá-lo a enfrentar a questão. As professoras diziam que ele não brincava com outras crianças, que era mais “regredido” socialmente, que  quando as crianças chegavam perto dele, ele corria para saia da professora.

Eram duas professoras: uma chinesa, muito simpática e a outra tímida cingapuriana, que daria a maior parte das aulas em inglês, idioma oficial. Fizemos algumas reuniões informais, sem resultados, e eu estava me preocupando cada vez mais com João. Ele regrediu no português em casa, e regrediu no inglês que estava aprendendo. Apontava as coisas que desejava e em vez de falar, emitia um “grunhido”, mesmo que fosse rindo. Demorei para perceber que seria regressão de linguagem, achei que era uma nova brincadeira.

Uma tarde, recebi um Whatsapp da professora chinesa, interessada em me fazer sentir confiante na escola que dizia mais ou menos isso: “mãe, hoje me diverti muito, tirando fotos dos meus amigos. Pode ficar tranquila, que estou muito bem na escola”, e quando abri a foto, encontrei um outro menino loirinho sorrindo para câmera, em vez do meu filho. Aliás, o único OUTRO loiro da escola.

De imediato respondi “que bacana, este menino deve ter se divertido muito, porém este não é o João”. Para eles Joa’ng. Se, no Brasil sempre ouvimos que todos os asiáticos se parecem iguais, aqui, nós, “os westerns”,  também somos todos iguais. Percebi portanto que mesmo com uma das professoras só falando inglês, a língua-mãe de  todas as crianças dali era o mandarim e outros trocentos dialetos, o que deu uma certa embolada na cabecinha do João. Logo optei por transferi-lo para uma escola montessoriana, mais multicultural, onde Riishis, Reyshants, Emmas, Emilys, e Yong, Auns, convivem com meu João.

Outro dia, minha filha mais velha trouxe uma amiga para um playdate após a escola. Nadhira, indiana, de olhos jaboticabas e da pele de chocolate incrível. Ela já tinha passado um dia na casa desta amiga, e eu, prevendo um desastre social ao imaginar a Maria diante do Curry no almoço com a família de Nadhira, já tinha mandado lanchinhos gostosos para que ela sobrevivesse.

No dia que recebemos Nadhira aqui em casa, fiz uns quitutes básicos e internacionais, tive cuidado de não incluir nada de origem animal, pois parte de indianos não come carne vermelha. E o famoso bolo de cenoura com chocolate brazuca que já virou febre (seguido dos brigadeiros) na escola da Maria, me ajudaria muito nessa tarefa. Terminei meus trabalhos e estudos mais cedo e lá fui eu acompanhar.

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Quando Nadhira chegou com Maria, rolaram mil brincadeiras, piscina, pelúcias e jogos. E quando fomos servir o lanchinho, resolvi colocar um filme, mesa de centro cheia de quitutes e elas sentadas ali no chão. Servi o bolinho e ela estava com uma cara ultra feliz, olhava ao redor e falava da nossa casa. Viu os quadros nas paredes e achou tudo mega colorido. Comentava das estampas das almofadas e do sofá.

Até que passou a mão no tapete, e falou “é muito gostoso isso aqui, tia, o que é?” e eu respondi, “obrigada, linda, é um tapete de pele de vaca”. Seus olhos arregalaram-se. Escancarou-se ali um semi-terror, com semi-nojo, com piscadelas tentando disfarçar, tudo muito sutil mas óbvio. E eu tinha entendido o ocorrido: Eu estava pondo ela, uma garotinha de família “classicamente indiana” para sentar, e comer, em cima da pele do animal mais venerado como um Deus na cultura dela; e eu, ali, em pé, em micro choque com a realidade acachapante de um bloco de concreto na minha cara, por aqueles dois segundos de desconforto master, disfarcei, catando os copos vazios para abastecer com o meu inofensivo suco de maçã verde.

E a vida segue, sobrevivendo a tantas nuances, tantas culturas, tantos sabores e tantas crenças.

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