Criança

Vamos com calma

Imagem Vamos com calma

Publicado em 16/03/2015, às 18h50 - Atualizado em 29/01/2021, às 07h34 por Redação Pais&Filhos


Na música Agenda Infantil, da dupla Palavra Cantada, o personagem tem uma semana forrada de atividades: segunda-feira é aula de inglês, terça é de computação. Quarta tem terapia, na sexta é recuperação. E sábado acorda cedo pra treinar na escola capoeira e natação. No refrão, ele reclama: “Eu já falei pra minha mãe milhões de vezes / Meu Deus do céu eu não sou relógio não / Eu sou criança e criança nessa idade / Quer brincar bem à vontade / Sem ter tanta obrigação”.

O garotinho da música é fictício, mas talvez você nem precise pensar muito pra encontrar alguma criança com um estilo de vida parecido: acelerado. Escola com carga horária puxada, tarde lotada de atividades extracurriculares das mais variadas, fim de tarde destinado a fazer dever de casa e pela noite, no mais provável dos casos, televisão ou iPad. E pra que tudo isso? Para garantir uma vida futura bem-sucedida ao filho. Para os pais se assegurarem de que estão proporcionando à criança o melhor que ela pode ter em termos de educação e aprendizado. Para desenvolver todas as habilidades e os potenciais da criança e, de quebra, prepará-la desde cedo para um dia pleitear seu lugar ao sol em um mercado de trabalho altamente competitivo. E para preencher o tempo livre da criança com atividades enriquecedoras. Afinal, a outra opção seria ficar em casa – e o “fazer nada” é um desperdício.

Esse é o discurso de uma grande (graaaaande, grande mesmo) parcela de pais para justificar a rotina da criança que mais se parece com a de um adulto. São argumentos carregados de boas intenções – são pais que fazem o que está ao seu alcance, muitas vezes chegando até a comprometer boa parte do orçamento da família com aquele curso da moda – simplesmente porque querem o melhor para seus filhos. E cria-se a sensação de que os pais que não oferecem isso aos seus filhos – uma infância repleta de oportunidades de desenvolverem todos os potenciais deles – então não são bons pais, não estão dando o tal do “melhor”. A pergunta é: será que esse estilo de vida, que a sociedade de hoje estabeleceu como o melhor que uma criança pode receber, é, de fato, o que uma criança precisa?

Tem um grupo – que não é nada pequeno, e está crescendo pelo mundo todo – que rema contra essa maré acelerada e que tenta dizer a todo custo que não é disso que a criança precisa e que, se você quer dar o melhor para seus filhos, esse não é necessariamente o caminho. O movimento se chama Slow Parenting e prega uma infância assim: calma.  Com menos. Menos compromissos, mais tempo para fazer nada e menos pressão dos pais para que os filhos estejam sempre ocupados, como se agenda cheia fosse sinônimo de crianças felizes.

Slow Parenting é o desdobramento do “Slow”, movimento mais abrangente que prega uma desaceleração em quase todos os aspectos de nossa vida: trabalho, esporte, sexo, comida… e criação de filhos, claro. Segundo Carl Honoré, pai de Benjamin e Susannah e um dos precursores do movimento, “a filosofia ‘Slow’ não significa fazer tudo em ritmo de caracol. Significa fazer as coisas na velocidade certa. Isso implica qualidade acima de quantidade; conexões humanas reais e significativas; ser e estar presente dentro daquele momento”, explica em entrevista à Pais&Filhos. Ele é escritor, jornalista e autor de dois livros que servem como base desse movimento: The Power of Slow e Under Pressure, que foi traduzido para o português e no Brasil está à venda com o título Sob Pressão (Ed. Record, R$ 52). O autor acredita que estamos criando nossos filhos de maneira profissionalizada, seguindo uma lógica parecida à do mercado de trabalho quando o objetivo é conseguir melhores números e desempenho. Ou seja, estaríamos gastando uma boa quantia de dinheiro, rodeados de especialistas e com horas e horas de trabalho ou atividades, querendo que nossos filhos reproduzam nosso padrão. Ou pior, seguindo um padrão de mercado na hora de criar nossos filhos.

Tiro no pé

A infância de Camila Perez, hoje advogada, também foi bem agitada. “Fiz todo tipo de atividade, de culinária a judô, passando por ballet, natação e línguas. Tive fases de ir pra natação com o coque do ballet porque não dava tempo de tomar banho”, lembra. Até que um dia ela não aguentou mais e disse à mãe que queria parar tudo. “Eu não sou bailarina, nem nadadora, nem judoca, nem chef de cozinha, nem artesã, nem trilíngue, e o que ficou foi a chateação de não poder ver meu desenho preferido ou ir pra casa da melhor amiga”, reflete.

No caso da Camila, ela conseguiu expressar à mãe sua insatisfação com tanta atividade. E teve um retorno positivo, afinal não é porque seu filho não está com a agenda cheia de atividades que um ótimo futuro não esteja esperando por ele. Mas nem sempre as crianças conseguem ser tão explícitas, como Camila. Segundo Ana Claudia Arruda Leite, pedagoga, especialista em infância e juventude pela Unesco e coordenadora de Educação e Cultura da Infância do Instituto Alana, os sintomas mais frequentes de uma criança com modo de vida não saudável são estresse, ansiedade, excesso de peso, vida sedentária, falta de interesse e de disposição (principalmente para ir a alguma atividade específica), vício em telas (videogame, televisão, tablets), dificuldade para dormir, baixa autoestima e até excesso de uso de medicamentos quando não há um problema específico.

Para ela, “acelerar a vida da criança, antecipando as experiências em prol de expectativas futuras é um grande ‘tiro no pé’. Em vez de desenvolver a autonomia, a criatividade, a motricidade e a inteligência emocional e cognitiva da criança, essa pressão familiar gerará na criança frustação”.

No caso da Camila, ela conseguiu expressar à mãe sua insatisfação com tanta atividade. E teve um retorno positivo, afinal não é porque seu filho não está com a agenda cheia de atividades que um ótimo futuro não esteja esperando por ele. Mas nem sempre as crianças conseguem ser tão explícitas, como Camila. Segundo Ana Claudia Arruda Leite, pedagoga, especialista em infância e juventude pela Unesco e coordenadora de Educação e Cultura da Infância do Instituto Alana, os sintomas mais frequentes de uma criança com modo de vida não saudável são estresse, ansiedade, excesso de peso, vida sedentária, falta de interesse e de disposição (principalmente para ir a alguma atividade específica), vício em telas (videogame, televisão, tablets), dificuldade para dormir, baixa autoestima e até excesso de uso de medicamentos quando não há um problema específico.

Para ela, “acelerar a vida da criança, antecipando as experiências em prol de expectativas futuras é um grande ‘tiro no pé’. Em vez de desenvolver a autonomia, a criatividade, a motricidade e a inteligência emocional e cognitiva da criança, essa pressão familiar gerará na criança frustação”.

Pressões por todos os lados

A primeira decisão tomada por Flávia Vogel e seu marido em prol de uma vida mais “slow” foi abandonar São Paulo e toda sua correria frenética por uma cidade litorânea, menor e mais tranquila. E foi assim, nesse ambiente mais tranquilo, que nasceu Henry. Hoje com 1 ano e 8 meses, ele vai a uma escola com metodologia Waldorf por quatro horas diárias e em breve iniciará natação. E pronto. Segundo Flávia, quando se escolhe um modo mais tranquilo de criação de filhos há de se ter muita paciência com abordagens incisivas das pessoas. Quando o pequeno fez 1 ano de idade, começaram os comentários sobre ele ainda não estar andando. Nessa época, ouviu que tinha de comprar um andador e até passar um lençol sob suas axilas e suspendê-lo para que andasse – conselhos que refutou veementemente. Isso não quer dizer que ele não receba estímulos, longe disso, a diferença é que não há um “forçar a barra” e nem competição com outras crianças.

O pediatra antroposófico Antonio Carlos de Souza Aranha, pai de Tarsila, Lara e Thiago, se vale de um processo da natureza para explicar a importância de respeitar os tempos de cada um: “Uma fruta madura e com sabor teve seu tempo de crescimento e amadurecimento. Assim como na natureza, na infância também temos de respeitar as etapas do desenvolvimento para que a criança cresça e atinja seu amadurecimento”. Segundo ele, até os 7 anos de idade a criança não pode sofrer aceleração. “Acelerar significa superestimular processos neurossensoriais, que provoca um desgaste na vitalidade intelectual da criança”, explica. Em resumo, superestimular é esgotar a criança. E esgotar é bem diferente de desenvolver potenciais, é ou não é?

O “fazer nada” e suas muitas possibilidades

Paulo Tatit, pai de Lua e Luiza – o par de Sandra Peres no grupo Palavra Cantada –, teve a inspiração para compor a música Agenda Infantil depois que uma conhecida matriculou seu filho de 3 anos numa escola de inglês. “Hoje os pais ficam querendo que os filhos sejam alguma coisa. Mas o mais importante é saber quem você é, pra depois saber o que você quer da sua vida”, defende. Para Carl Honoré, a capacidade de descobrir quem você é está diretamente ligada a um estilo de vida saudável na infância: “A criança precisa de tempo e de espaço para explorar o mundo nos seus termos: é assim que eles aprendem a pensar, inventar e socializar, sentir prazer das coisas, trabalhar quem eles são, e não o que nós queremos que eles sejam”. A melhor maneira de se conseguir tudo isso? Deixando a criança brincar. E o brincar livre, sem o direcionamento de adultos e sem as brincadeiras prontas que oferecem os aparatos tecnológicos. Estamos falando da brincadeira inventada, fruto da imaginação e criatividade da criança. É dela que a criança precisa.

1, 2, 3… desacelerando já!

Ok, então você chegou à conclusão de que deve mesmo dar uma brecada no ritmo e levar a vida de modo mais Slow. Por onde começar? Perguntamos a um dos maiores defensores do movimento – Carl Honoré, claro – quais seriam, quais seriam as cinco principais mudanças que ele decretaria numa família com ritmo de vida acelerado a fim de ensinar-lhes a viver de maneira mais tranquila. E a resposta dele foi: desligar celulares, computadores, tablets e afins em casa o máximo possível. Nada de celular ou tablet nos quartos. Dirigir menos, andar mais. Cortar atividades extracurriculares. Comer pelo menos uma refeição juntos ao dia. Colocar um quebra-cabeça de 1.000 peças na mesa da sala e deixar todo mundo participar

A receita não pode ser mais simples: outra prova de que menos é mais, tal qual prega a filosofia Slow. Se você gostou, é só colocar o pé no freio, brecar a correria toda e se juntar ao grupo dos que preferiram remar contra a maré. Quem sabe assim, todos juntos, a gente não muda o rumo dessa correnteza?


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