Família

Educação dentro de casa vira assunto de Estado

Imagem Educação dentro de casa vira assunto de Estado

Publicado em 06/07/2012, às 08h24 por Redação Pais&Filhos


Por Luciana Alvarez, mãe de Marcelo

Milene Massucato, mãe de Nicolas e Lorena, confessa que já bateu no filho, mas hoje prefere mandá-lo para o “cantinho do castigo”, ou tirar alguns brinquedos. Na sua casa, as palmadas foram abolidas por decisão dela e do marido. Celso Itaboraí, pai de Diego, Gustavo e Felipe, diz que detesta bater nos filhos, mas não abre mão de usar esse recurso quando conversa e castigo não surtem efeito. A mãe dos meninos apoia a forma de disciplinar os filhos.

“Era descontrole meu e não adiantava nada. Também ficava me sentindo muito mal por bater”, diz Milene. Desde que Nicolas, hoje com 3 anos, era bem pequeno, a mãe o deixa em um canto de castigo quando necessário, mas a técnica não funciona se ele está muito agitado. “Descobri um dia, meio sem querer, que se eu colocar os carrinhos dele numa prateleira alta, ele se comporta bem para tê-los de volta.” Milene acredita que o filho não ficou com nenhum trauma por causa das palmadas que levou, mas sua intenção é que Lorena, de dois meses, nunca apanhe.

Ao ver Felipe, de 9 anos, falando desaforos para a mãe, Celso chamou o filho para uma conversa. Mas o menino voltou a ser grosseiro e, da segunda vez, Celso decidiu colocá-lo de castigo no quarto. Como a medida tampouco adiantou, bateu no filho. “Não bato sempre, nem por qualquer motivo. Mas nesse dia, foi assim que ele se aquietou. Depois expliquei que o amo, mas não gostei daquele comportamento”, lembra. Celso acredita que, com o tempo, as palmadas serão desnecessárias. Com Diego, 15 anos, o mais filho mais velho, o pai já consegue resolver tudo apenas na conversa.

Embora as escolhas de cada família possam ser avaliadas e criticadas, até hoje a palavra final sobre qual é a melhor forma de educar os filhos cabe aos pais. Mas a questão virou assunto de Estado e, em breve, deve passar a ser regulamentada por lei: tramita no Legislativo um projeto dizendo que crianças e adolescentes têm o direito a serem educados sem nenhum tipo de castigo físico ou tratamento cruel.

A medida foi proposta pelo poder Executivo em 2010, atendendo a um acordo firmado com o ONU, em decorrência da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança. O texto da chamada Lei da Palmada – na verdade uma emenda ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – foi aprovado por uma Comissão Especial da Câmara e agora segue para avaliação dos senadores. Não há prazos, nem estimativa de quanto tempo devem durar os trâmites no Senado, mas o certo é que a proposta de mudança na legislação já provoca grandes polêmicas.

O início da confusão

Os problemas começam ainda na Câmara, quando seis deputados recolheram assinaturas de colegas e entraram com recursos pedindo que o assunto fosse votado em plenário. A Comissão Especial tem o poder de decidir em nome da Casa apenas se a maioria dos deputados não se opuser. “Pela relevância do tema, deveria sim ir a plenário. Mas a verdade é que o assunto não é visto como prioridade e, portanto, não iria nunca entrar na pauta de votações”, afirma a deputada Teresa Surita (PMDB-RR), mãe de Ana Paula e Luciana, relatora do projeto de lei na Câmara.

Foi então que os membros da Comissão, em parceira com ONGs, lançaram uma “contra-ofensiva”. “Saímos explicando o que era a lei e seus porquês deputado por deputado”, conta Teresa. Entre abril e maio, conseguiram que 306 deputados voltassem atrás e retirassem suas assinaturas dos recursos, feito considerado “histórico” pela relatora – a Câmara tem um total de 513 deputados. Dessa forma, o texto está liberado para seguir seu caminho legal.

Na avaliação de Teresa, a rejeição à nova lei deve-se a uma cultura arraigada – mas falsa – no povo brasileiro de que bater educa. “Ainda vamos levar gerações para pararmos de bater em nossas crianças, mas temos de começar a mobilização. Por isso, a lei é educativa, não punitiva. Queremos conscientizar as pessoas, como se fez com as campanhas contra o tabagismo e para o uso de cinto de segurança”, afirma. As duas campanhas de conscientização, porém, foram acompanhadas muita fiscalização e multas para surtir efeito.

O que prevê o projeto de lei

A lei da palmada também prevê multas, mas não para o pai, mãe ou outro responsável por cuidar da criança que lance mão de punições físicas. Quem pode ser multado, em valores entre 3 e 20 salários mínimos, são os profissionais da área de saúde e da educação que tiverem conhecimento de que as crianças estão sofrendo violência mas não denunciarem.

Ao dizer que a lei não é “punitiva”, a deputada Teresa Surita se refere ao fato de que nenhum pai vai cumprir pena na cadeia por dar uma chinelada, nem perder a guarda do filho. As medidas previstas no texto para quem desrespeitar a lei e agredir as crianças sob seus cuidados são: acompanhamento psicológico ou psiquiátrico, aconselhamento, encaminhamento a cursos e, no máximo, uma advertência.
Pela emenda, o poder público ganha a incumbência de promover campanhas educativas para as famílias contra os castigos físicos e tratamento degradante, além de preparar professores e trabalhadores da saúde para orientar os pais e diagnosticar casos de violência. Veja aqui o texto completo da emenda ao ECA (link para a atual redação da lei).

Uma das grandes dúvidas que a nova lei desperta é como fiscalizar o que acontece dentro das casas. Apenas os casos graves vão parar nos hospitais ou podem ser percebidos por professoras nas escolas – e, nesses casos, mesmo pela lei atual, os profissionais já têm a obrigação de denunciar o abuso para os conselhos tutelares. Por causa desse ponto, até pessoas favoráveis a uma educação sem nenhuma violência questionam a relevância da nova legislação.

Contra a palmada, contra a lei

“Considero um desperdício de energia política essa lei da palmada, quase impossível de aplicar sem que ocorram aberrações”, afirmou a escritora Lya Luft em sua coluna na revista Veja de 4 de janeiro. “Quem vai, sobretudo, denunciar? Penso que haverá filas de acusadores: a vizinha invejosa, a funcionária ofendida, a ex-mulher vingativa, o ex-marido raivoso”, questiona.  
A psicóloga e terapeuta familiar Lidia Aratangy, mãe de Cláudia, Sílvia, Ucha e Sérgio, é uma grande defensora de uma educação sem palmadas, tapas, chineladas e afins, mas tampouco gosta de ter uma lei tratando do assunto. “A palmada faz muito mal, mas acho que uma legislação sobre isso é uma invasão perigosa, que pode servir para mil usos escusos, incentivar um falso ‘dedo-duro’”, afirma.

Para os pais e mães, a questão parece ainda mais delicada, cheia de nuances. Milene, que aprendeu a ligar com as birras sem apelar para os tapas, é contra a lei. “Ser mãe é um exercício de não-julgamento. Acho muito complicado me meter em como se educa em outra casa”, afirma. Já Celso, que eventualmente bate nos filhos, acredita que a lei pode ter um impacto positivo na sociedade. “Não conheço profundamente o texto, mas entendo que vai para coibir abusos – e tem muito pai que faz absurdos. Por isso, sou favorável”, diz.

Afinal, a palmada educa?

Apesar de a experiência pessoal de muitos pais aparentemente indicar que a palmada ajuda sim a educar, as evidências científicas apontam o contrário. Um levantamento compilando resultados de pesquisas sobre o assunto feitas nos últimos 20 anos, publicado em fevereiro no Canadian Medical Association Journal, mostrou de forma categórica que o castigo físico deve ser evitado.

“Praticamente sem exceção, esses estudos indicam que as punições físicas estão associadas a níveis mais altos de agressão contra os pais, irmãos, colegas e esposas”, escreveram os autores da revisão, os médicos Joan Durrant e Ron Ensom. O conjunto de pesquisas, que entrevistou no total 36 mil pessoas, demonstra ainda que o “bater para educar” está associado a problemas mentais como depressão, ansiedade, abuso de álcool e outras drogas.

Para Lidia Aratangy o resultado era esperado. “Com a palmada, você ensina é que a violência é uma forma legítima de resolver suas pendengas. E também que, se você for maior e mais forte, pode bater nos outros”, explica a psicóloga. “A criança capta muito mais o que percebe, o exemplo, do que as coisas que escuta. Bater ensina a ter medo da palmada, mas não valores.”

Não bater, porém, está longe de ser sinônimo de pais permissivos. Segundo Lidia, deve-se impor limites e castigar os filhos em caso de desrespeito. “Castigo não é vingança, mas sim uma parte do processo pedagógico. Ele deve oferecer uma possibilidade de recuperação: consertar o que quebrou, arrumar o que bagunçou. Se fez a lição mal feita, só vai sair e fazer o que deseja depois que refizer direito. Só que isso tudo dá muito mais trabalho do que uma palmada”, afirma.

Se a Lei da Palmada vai ser eficiente para mostrar aos pais meios sem violência de educação, só se saberá quando ela entrar em vigor. Mas com certeza ela parte do princípio de que também os pais podem ser educados apenas na base da conversa, sem punições. Será?


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