Publicado em 15/02/2022, às 11h48 - Atualizado em 10/03/2022, às 13h45 por Hanna Rahal, filha de Lydiana
A introdução alimentaré um momento que exige muito cuidado e paciência dos pais. As crianças estão começando a se relacionar com a comida, e nesse momento, toda ajuda é bem-vinda para construir um paladar saudável, e que evite alergias para a criança. No entanto, depois da introdução dos alimentos, com o passar do tempo, seu filho pode começar a abandonar toda a comida no prato e demonstrar que não gosta mais de comer. Se isso acontecer, é preciso estar atento – afinal, essa atitude caracteriza um transtorno chamado fagofobia.
O transtorno, chamado de fagofobia, é uma condição psiquiátrica associada à ansiedadeem que a pessoa desenvolve o medo de engolir alimentos sólidos, líquidos e até comprimidos. Ela está ligada a um estado de ansiedade ou trauma, que leva à recusa alimentar, com prejuízos muito graves para a saúde, como a perda de peso, emagrecimento não-saudável e problemas gástricos principalmente. Pouco se sabe sobre a prevalência desta doença, mas o diagnóstico é frequentemente tardio, o que aumenta o risco de complicações.
Edivana Poltronieri, empresária, mãe de Valentina, de 11 anos, contou que o excesso de informações sobre o coronavírus, somado ao medo da morte, fez a filha desenvolver a doença. “Em novembro de 2020, comecei a perceber que Valentina estava reduzindo a velocidade para engolir e logo pensei que ela estava enrolando para comer. Depois de um tempo, deduzi que o problema poderia ser a comida. Daí, comecei a ver que ela disfarçava para sair da mesa só para cuspir a comida no guardanapo ou no lixo”, relata a mãe.
A empresária contou que teve dificuldades para identificar a fagofobia, porque a filha não apresentou nenhum problema comportamental, como tristeza ou agressividade. “Não houve mudança em seu comportamento a não ser o alimentar. Valentina continuava brincando, fazendo as tarefas da escola, como se nada estivesse acontecendo”, continua.
A mãe diz que por muito tempo chegou a pressionar a filha para comer, até que a menina passou a engasgare ter sensações de sufocamento em algumas refeições. “Tentamos fazê-la enxergar a comida de forma normal, mas quando chegava o momento das refeições, ela tremia, ficava em pânico, chorava, suava frio e respirava ofegante. Eu nunca tinha visto a minha filha naquele estado e quando eu pedia explicações, ela só chorava muito”, conta.
Após o diagnóstico junto ao psiquiatra e adaptação de toda a rotina da família, Valentina vem superando a doença “Para controlar a ansiedade, ela passou a tomar calmantes naturais, fazer exercícios respiratórios e yoga. A gente também evita falar muito de doenças em casa e, em paralelo, fazemos refeições líquidas e fáceis de mastigar, como sopas, verduras, sucos, vitaminas”, completa a empresária.
Cada caso é um caso. Danielle Admoni, mãe de Maya, David, Naomi e Shay, psiquiatra da infância e adolescência na Escola Paulista de Medicina UNIFESP e especialista pela Associação Brasileira de Psiquiatria, o importante é saber diferenciar essa fobia de um transtorno alimentar. “Não é fagofobia, quando a pessoa está realmente muito magra e não se vê assim. Ela alimenta a ideia de que precisa perder peso, e vai evitando a alimentação”, explica.
De acordo com ela, é preciso observar se aquilo também não é uma situação passageira. “Às vezes, a criança tem vontade de comer alguns alimentos e outros não, e por isso, acaba fazendo birra para evitar ou ter mais daquela comida. No entanto, isso normalmente passa. Mas se é algo que persiste, aí é preciso pensar em fagofobia”, explica.
Monica Machado, mãe de Luiza e Raphael, é psicóloga pela USP, fundadora da Clínica Ame.C, pós-graduada em Psicanálise e Saúde Mental, explica a diferença entre birra e fagofobia. “Na birra, a criança tem uma certa tendência a manipular os pais ou os cuidadores, fazendo da refeição como uma troca para obter algo que foi negado a ela”, diz. “A criança com ansiedade, ao medo da ingestão de um alimento, notoriamente apresenta um aspecto emocional de esquiva, desespero e fisiológico, ao apresentar vômito”, completa.
O diagnóstico é apresentado com sintomas fisiológicos, no entanto, o medo de engolir e ou vomitar estão diretamente relacionados à ansiedade, e de acordo com as especialistas, isso não deve ser descartado no tratamento clínico e medicamentoso.
“Na rotina de uma criança com este transtorno, é importante incluir o acompanhamento da família e ter lugares tranquilos disponíveis para a criança fazer todas as suas refeições. Assim, é possível levar o alimento como fonte de prazer, e não como qualquer responsabilidade ou cobrança”, diz Monica.
Danielle explica que, por se tratar de um transtorno psíquico, o tratamento é feito de forma multidisciplinar, ou seja, tanto pelo médico psiquiatra quanto pelo psicólogo. Dependendo da gravidade, também pode ser necessário o acompanhamento de um endocrinologista e um gastroenterologista. “Vale ressaltar que o papel dos pais nesse processo é fundamental”, explica a médica.
A família é vital para o êxito do tratamento. De acordo com a psicóloga, a conta é simples: “O medicamento só será efetivo com a psicoterapia, que por sua vez, só funcionará com devolutivas e orientações aos pais. É neste efeito cascata que o tratamento se desenvolverá”, avalia. Vale ressaltar, que todo comportamento apresentado pela criança na psicoterapia é aprendido ou condicionado pelo ambiente vivenciado, então é preciso muito cuidado e carinho para proporcionar lares acolhedores e de convivência saudável.
Valentina, filha de Edivana ainda conclui: “O meu conselho para quem tem alguém próximo que sofre com isso é manter a calma e procurar ajuda. Pode ser difícil no começo, mas a descoberta é um alívio para a criança e a família”.
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