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Inclusão na pandemia: como crianças surdas e cegas se adaptaram às aulas online

Veja como está funcionando a inclusão na pandemia - iStock
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Publicado em 04/06/2021, às 12h21 - Atualizado em 10/06/2021, às 17h57 por Helena Leite, filha de Luciana e Paulo


A inclusão no Brasil vinha sido muito debatida antes da chegada da pandemia. Com a vinda das aulas online, no entanto, pouco se falou sobre como dar espaço para inclusão de alunos com alguma necessidade especial neste ambiente digital. “Educação inclusiva é aquela que não discrimina estudantes em função de qualquer desigualdade ou diferença no acesso à educação e aprendizagem; e que garante a participação de qualquer estudante no processo de ensino e aprendizagem nas salas de aula e fora delas”, define Claudia Werneck, mãe de Tata Werneck, idealizadora da Escola de Gente, pioneira na disseminação do conceito de sociedade inclusiva (ONU) na América Latina, jornalista, autora de 14 livros sobre inclusão (WVA) em português, espanhol e inglês, e colunista da Pais&Filhos.

Assim como todos, alunos com alguma deficiência e seus professores também precisaram se adaptar ao ensino remoto. Karina Vielmas, pedagoga do Serviços de Apoio à Inclusão da Fundação Dorina Nowill para Cegos, foi uma dessas professoras que precisaram se reinventar durante o isolamento social. Karina trabalha ensinando braille para alunos cegos no contra turno da escola. Nas aulas, ela enfrentou um desafio a mais: como ensinar o braille, que envolve muito tato, de forma remota? “Ensinar braille no contexto remoto tem sido desafiador! Exigiu que planejássemos alternativas para que nossa intervenção pedagógica possa oferecer às crianças com cegueira situações de aprendizagem que contribuam para o desenvolvimento da leitura e escrita”, conta ela.

Veja como está funcionando a inclusão na pandemia (Foto: iStock)

Para a professora, o apoio das famílias das crianças tem sido fundamental neste contexto online. “No caso de crianças cegas que estão iniciando o processo de alfabetização no Sistema Braille, orientamos os pais ou responsáveis para que confeccionassem recursos pedagógicos com materiais recicláveis e materiais de baixo custo, por exemplo, com cartela de ovos produzir uma cela braille – o espaço onde se produz um sinal braille. Deste modo, a criança com cegueira poderá montar palavras, apropriando-se dos pontos do alfabeto braille”, explica.

Cristiane Santana de Jesus, dona de casa e mãe de Cristian Santana Rofino e Higor Santana de Oliveira, sabe muito bem da importância desse apoio para que o aprendizado continue de forma remota. Desde o início das aulas online, ela precisou se redobrar para conseguir ajudar o filho, Cristian, que é cego, com as atividades escolares. Orientada pelos professores do filho, Cristiane também usou e abusou da criatividade para encontrar alternativas para construir as celas braille para ele aprender. Ela fez de tudo: usou caixa de ovos, pote de tinta guache, garrafa pet. “A gente usou a criatividade né. Essas coisas são muito legais para a professora explicar”, diz ela.

Esther Ferreira, mãe de Maria Clara e Arthur, dona de casa e intérprete de libras, também precisou se reinventar para ajudar os filhos com as aulas online. Os dois são surdos e frequentam o Centro de Educação para Surdos do colégio Rio Branco (CES), uma escola bilíngue. No caso dos filhos dela, Esther percebeu que a maior dificuldade com a vinda das aulas online foi a questão da conexão. “Como os dois são surdos, as aulas acontecem por meio da língua de sinais. Ou seja, quando a internet trava, a imagem também trava e eles perdem todo o conteúdo. Se a internet caía, as crianças da turma dela ficavam muito angustiadas e nós, pais, também”, conta ela.

Para Esther, o contato e convívio entre família e escola é fundamental para a educação das crianças. “Quando pensamos em período de aulas à distância… Aí que fica mais necessário ainda. A criança precisa do apoio de um adulto para acessar as aulas, principalmente em um primeiro momento, além de coordenar os horários para entrar na aula, se arrumar, etc”, comenta. Tatiana Paula Jesus Moreira, mãe de Gabriel e professora da escola onde a filha de Esther estuda, concorda com ela. “Nesse período de aulas online, eu senti as famílias mais próximas da escola e isso é muito importante. Quando estou dando aula, percebo algumas mães perto, ajudando as crianças, chamando atenção para que olhem para a explicação que nós, professoras, estamos dando”, diz ela.

Apesar de ver esse contato com bons olhos, Tatiana comenta a importância dos professores colocarem limites nessa relação, para que as famílias não interfiram muito no trabalho deles e nem no dia a dia da escola. “Às vezes eu senti a necessidade de chamar a mãe e explicar: ‘olha, até aqui você pode ir, a partir disso é meu trabalho”, conta ela. “Essa conversa é muito bacana porque a gente vai alinhando algumas coisas, pontuando qual é o papel dela no processo de aprendizagem do filho. O que cabe a ela como família fazer e o que cabe à escola fazer”, explica.

Esforços extras

Apesar de conseguir encontrar uma forma de se reinventar neste período, Cristiane sentiu na pele algumas dificuldades a mais que o filho precisou enfrentar neste momento. Principalmente em relação à escola de público geral que Cristian frequenta. Ele estuda em um colégio municipal de São Paulo e a mãe conta que notou o esforço das professoras para fazer com que tudo funcionasse de forma remota. “A escola também fez algumas coisas bem legais. Fica mais fácil assim. Elas fizeram jogos pra ele aprender, pra mexer com a quantidade. Eles fizeram dois frascos com texturas diferentes, pra ele identificar. E tem também o jogo da memória com barulho”, conta ela, explicando que o filho ganhou um kit personalizado com jogos e atividades para fazer em casa.

Mesmo com a ajuda e dedicação da escola, porém, Cristian precisou se esforçar um pouco mais que os outros alunos videntes para aprender de forma online. No começo, ele não tinha o livro da escola em braille, então cabia à Cristiane ler todos os exercícios para que o filho pudesse responder. O garoto, então, digitava cada um em uma máquina que conseguiu pegar emprestada da escola. A máquina funciona como uma espécie de máquina de escrever, fazendo buraquinhos na folha para formar cada letra e frase em braille. Depois de reescrever o enunciado, ele preenchia o espaço embaixo com a resposta. Essa folha, então, era encaminhada para uma profissional de uma outra escola que ele frequenta, específica para alunos cegos. Lá, uma professora lia o que ele havia escrito em braille e reescrevia para enviar às professoras da escola de público geral. Assim, essas professoras conseguiam corrigir os exercícios do menino.

Cristiane percebeu que o filho precisou ter alguns esforços extras para se encaixar (Foto: iStock)

Isso durou por um tempo até que a escola providenciou um livro com escrito em braille. Hoje, mesmo com essa versão do livro, a família enfrenta outra dificuldade: a numeração das páginas. “As páginas são diferentes, então quando a professora fala por exemplo, ‘façam o exercício da página 50’, às vezes a página 50 não é a mesma pra ele e pros outros alunos. Então, ele tem que se virar para encontrar o exercício que ela está falando e conseguir fazer”, explicou a mãe.

Desafios de lecionar à distância

“A falta de recursos de acessibilidade no online como Libras, legenda, audiodescrição e linguagem simples e o baixo acesso à banda larga nas casas e celulares, uma vez que segundo a ONU mais de 80% de pessoas com deficiência vivem em regiões de pobreza” são os principais desafios de lecionar à distância quando falamos de crianças com deficiência, como explica Claudia Werneck.

As dificuldades apontadas por Claudia também foram as notadas pela maioria dos professores. Uma pesquisa realizada pela Fundação Carlos Chagas mostrou que 67,7% dos professores que fazem um atendimento educacional especializado para crianças com alguma deficiência acreditam que o acesso à internet foi um problema durante as aulas online. Quando falamos de professores de escolas de público geral que também lecionam para crianças com deficiência, esse número cai para 53,4%.

Cibelle Formigoni Arello, professora da escola especializada CES Rio Branco concorda com essa classificação. Para ela, a oscilação da internet, queda de energia e falta de dispositivos adequados para assistir às aulas estão entre as principais dificuldades de ensinar de forma online. Apesar disso, Cibele conta que conseguiu colher bons frutos do ensino à distância e aproveitou a oportunidade para testar novas ferramentas e inovar, trazendo jogos e outras atividades para chamar a atenção dos alunos para as aulas.

No caso das crianças cegas, Karina Vielmas também acredita que a falta de acesso a recursos tecnológicos atrapalhou bastante o ensino online. “A primeira dificuldade é sobre a falta de recursos em si e, adicionalmente, sobre o uso de ferramentas de acessibilidade. No computador, tablet ou smartphone, as crianças com cegueira precisam de um leitor de tela: é por meio dele que serão fornecidas as informações sobre tudo que aparece na tela, como ícones, notificações, textos. Somente com o leitor de telas, a criança poderia ter autonomia no uso dos recursos tecnológicos. Entretanto, há crianças que ainda não sabem utilizá-lo e as famílias também não conhecem para orientá-las em casa. Isso faz com que as crianças dependam dos pais ou responsáveis para, por exemplo, fazer uma pesquisa solicitada pela professora”, aponta ela.

Além disso, os professores de libras e braille apontaram que a ausência de recursos como audiodescrição e intérprete de libras em alguns vídeos também acabam limitando as possibilidades durante o ensino remoto.

E a socialização, fica como?

Todos os professores e famílias que conversaram conosco apontaram a socialização como um dos problema das aulas online. No caso de crianças surdas, Cibelle aponta que o tamanho limitado das telas atrapalhou um pouco a socialização e as possibilidades de conversas no ambiente online. “Principalmente em videochamada, precisamos manter mãos em pontos mais visíveis, adaptando alguns sinais. Por exemplo o sinal de primo(a) que tem o ponto de toque na cintura, fazemos mais acima para ser visto na tela”, explica ela. Tatiana acredita que as crianças também estão sentindo falta de relações com outras crianças surdas no dia a dia. “Grandes partes dos nossos alunos são os únicos surdos em casa. São crianças surdas em uma família ouvinte. Então eu percebi neles essa necessidade de poder estar com outros surdos. De poder conversar. Porque quando eles estão na escola, a conversa flui mais, porque estão todos usando a mesma língua. E quando eles estão em casa é diferente”, conta.

A socialização foi um desafio enfrentado pela maioria das mães nas aulas online (Foto: iStock)

No caso de crianças cegas, Karina acredita que a falta do tato é a principal dificuldade quando falamos da socialização e do aprendizado de forma online. Cristiane percebeu os efeitos disso em casa, com o filho. “Ele ficou meio pra baixo no ano passado, chorando. A gente passou por uma etapa bem difícil porque o dele tudo é toque né, então é mais complicado. Porque a gente ainda consegue ver as pessoas. Não que ele não fale pelo telefone, mas esse negócio de não poder tocar, sentir a pessoa, pra eles é mais complicado”, diz ela.

Apesar da dificuldade, os professores e famílias ainda conseguem encontrar formas de fazer com que as crianças interajam entre si no ambiente online. Claudia Werneck explica que a acessibilidade é o ponto mais importante para que isso aconteça. “É preciso buscar soluções conjuntas para driblar a falta de acessibilidade, porque o EAD com acessibilidade ainda é uma possibilidade remota no país”, afirma.

Karina Viegas aponta a importância do trabalho conjunto entre pais e professores. “Para não comprometer esse aprendizado, é importante que o professor busque estratégias para viabilizar o suporte necessário e poderá solicitar o apoio da família. Deste modo, os pais e responsáveis serão a ponte para apresentar, de forma concreta, algo que possa complementar o que está sendo exposto pelo professor durante a aula”, completa.

A família é super importante para o aprendizado das crianças em qualquer situação. No caso das aulas remotas, essa necessidade se mostrou ainda mais presente, seja para crianças com ou sem deficiência. Seja como for, Cristian, assim como outras crianças, já está ansioso para voltar à “vida normal” e já sabe exatamente o que quer fazer quando puder sair por aí: “Eu tenho saudade dos meus amigos e da aula de educação física. Quando puder sair quero encontrar com eles e ir no shopping, para comer e ir no cinema”, finaliza.


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