Família

Maria Homem sobre parentalidade: “Muitas vezes, exageramos na dose de sonho idealizado”

Ter um filho é uma faculdade de psicologia, sociologia, linguística, culinária… (Fotos: Deco Cury / Divulgação)
Ter um filho é uma faculdade de psicologia, sociologia, linguística, culinária… (Fotos: Deco Cury / Divulgação)

Publicado em 20/06/2020, às 05h34 - Atualizado em 04/10/2020, às 14h18 por Jennifer Detlinger, Editora de digital | Filha de Lucila e Paulo


Ter um filho é uma faculdade de psicologia, sociologia, linguística, culinária… (Fotos: Deco Cury / Divulgação)

Entender os impactos e mistérios da vida e compartilhar essas descobertas com outras pessoas. É isso que move Maria Homem. Presença confirmada pela primeira vez no 9º Seminário Internacional Pais&Filhos, ela é um dos maiores nomes da psicanálise no Brasil, mãe de um menino de 10 anos, pesquisadora, professora, escritora e palestrante. Neste bate-papo, a psicanalista fala sobre a relação entre frustração e felicidade na parentalidade, o ser materno, as origens da culpa e o conceito de família.

Ter um filho traz felicidade?

Maria Homem: Sem dúvida. A felicidade é singular, é minimamente algo dentro de você consigo mesmo e um desejo seu. Então, você pode profundamente ter um momento com a maternidade e a parentalidade. É a coisa mais profunda que você pode descobrir. É um elo privilegiadíssimo com outro humano, que está em constituição. Eu gosto de assistir a isso, de assistir com isso, então dou uma assistência a esse ser. Assisto à vida, compartilho uma história com ele, vejo através das janelas e vejo meu filho se desenvolver, pensar, pronunciar, brincar, jogar. É uma televisão infinita, a partir do momento que ligou, está ali. É um BBB 24 horas por dia. O filho pode até crescer — e mais — até morrer, mas a mãe está ali. Existe sempre aquela presença.

Dando colo para o fi lho, que hoje tem 10 anos:“A maternidade é transformadora” (Fotos: Deco Cury / Divulgação)

A mulher deixa de ser mulher ao se tornar mãe?

MH: Não. Ao longo da história, a gente foi separando a mulher que deseja, tem erotismo e sexualidade, da mulher que desconhece tudo isso e cria um outro ser. O filho é a prova de que a mulher tem um corpo vivo, ativo e desejante. Ela não deixa de ter esse corpo ao ter um filho, não fica virgem e nem deserotizada. Sem dúvida, a feminilidade é antes, durante e depois da maternidade. É simplesmente um delírio cultural tentar separar essas coisas. Seria muito menos frustrante para o mundo e para todos, se a gente se autorizasse a permitir que a mulher seja detentora de desejo e gozo pleno. Mas também há uma misoginia e machismo estrutural na cultura ocidental, com uma tentativa de doutrina da mulher e do seu corpo muito profundo.

Como conciliar a frustração com a felicidade durante a parentalidade?

MH: Essa pergunta poderia ser aplicada em outras áreas da vida, no campo do trabalho ou do amor. Qual a relação que a gente não tem dores e delícias? Isso faz parte desse crescimento. É uma relação muito íntima. Filho é um bichinho muito engraçado, porque te conhece, sabe suas fragilidades, é uma relação profunda que não é óbvia. Mas se você permite essa intimidade, fica muito interessante. Para quem gosta de algo menos “propaganda de margarina”, e da realidade, tem poucas relações tão íntimas e profundas como entre pai e filho. É uma intimidade em que o outro se revela para você, enquanto você se permite ser revelado para si e para o outro no mesmo movimento. Viver próximo do outro faz com que ele te aponte as fragilidades e as forças, além de te acolher.

Quando criança: Maria no centro da foto com os amigos, em São Paulo (Fotos: Deco Cury / Divulgação)

De onde surge a culpa materna? É possível ser mãe e não ter culpa?

MH: Sim, é possível e profundamente desejável. Por exemplo, a partir do momento em que você faz o luto do ideal de perfeição ou o que a gente chama de “ideal de eu”, você suporta um lugar bem desconfortável para esse pequeno eu, que é o de todos nós. A culpa tem a ver com o grande lamento do quão maravilhoso você deveria ter sido e não foi, o que também é um luto em relação ao lugar imaginário que você supõe ocupar para seus pais.

Faz parte do crescimento, né?

MH: Sim. Crescer é também abrir mão de um sonho que você inventou normalmente num conluio inconsciente com seus pais. Qualquer humano, para existir, precisa sonhar, só que muitas vezes, a gente exagera um pouco nessa dose de sonho idealizado que os próprios pais projetam sobre os filhos.

Como assim?

MH: Os filhos se veem como esses frutos maravilhosos que deveriam agradar os pais na sua vida e trazer aquilo que eles não puderam fazer. Então a culpa tem muito a ver com a falência diante deste lugar não alcançado. Só que tudo isso é imaginário. Tanto o que os pais projetaram, quanto o que entregamos e o que transmitimos para nossos filhos. Essa é a aura imaginária levemente enlouquecida ou delirante que a gente recebe e transmite. Acho que estamos um pouco mais conscientes disso agora. Talvez a gente possa viver mais tranquilos. Vemos mais esse outro lado da realidade e estamos nos acalmando com ele.

Como a sua vida mudou depois da maternidade?

MH: Por um lado, minha vida mudou radicalmente. Tem aquele ser que está literalmente agarrado no seu corpo. Mas agora vou falar uma coisa um pouco estranha. Por outro lado, a minha vida segue sendo a minha vida. Ela segue sendo o que eu quero que ela seja. Eu continuo fazendo o que eu sempre fiz, o que eu gosto de fazer, o que escolhi fazer. E sem dúvida, no meu caso, é muito próximo ao meu trabalho, que é lidar com o psíquico.

E o que você aprendeu com seu filho?

MH: É como se você ganhasse um grande laboratório que entra na sua casa e na sua cabeça. É um laboratório experimental incrível para mim, pessoalmente. Tudo aquilo que lia nos livros e escutava dos pacientes, você vê também acontecendo com as crianças. É uma coisa que te coloca pra trabalhar em vários sentidos, não só no de trocar fralda, dar de mamar, fazer comida, isso te coloca pra pensar, te coloca em outros lugares, questiona verdades, te põe pra pensar mesmo.

Coisa de menina? Uma conversa sobre gênero, sexualidade, maternidade e feminismo Maria Homem e Contardo Calligaris | Editora Papirus (Fotos: Deco Cury / Divulgação)

A maternidade está ligada diretamente ao seu trabalho?

MH: Para minha área, é bem interessante porque está no coração de uma pergunta sobre o mistério da alma. Tudo ampliou, sem dúvida. Mas meu trabalho já era esse, continua sendo esse, e é o trabalho que me instiga. Eu gosto de escutar isso, essa música, o que são as pessoas para além das ficções e dessas imagens um pouco entediantes. Como se você tivesse que ficar na vida ouvindo conversa de elevador, é entediante, eu gosto de escutar essa música real. E a maternidade te traz isso, querendo ou não.

Ser mãe é imprevisível?

MH: A maternidade não é como teatro, não tem como, porque seu filho berra. É transformador nesse sentido. Eu diria que isso vale para qualquer tipo de trabalho. Mesmo para quem não lide diretamente com o psíquico, é também uma aula sobre política, sobre status, território, lei. É um miniestado que se constitui no território de uma casa. Ter filho é uma faculdade de psicologia, sociologia, linguística, culinária, tudo. São todas as áreas. Para quem trabalha com corpo, com palavra, com música, é uma outra relação humana e profunda, potencialmente muito transformadora.

Para você, família é tudo?

MH: Não. Essa é uma ideologia muito restritiva do humano. O laço com o outro é constitutivo do humano? Eu diria que sim. Ele vai ser colocado num formato de família? Não necessariamente. Ele pode ser qualquer coisa e todos os laços são interessantes desde que sejam laços que você quer construir. Essa é a grande transformação do século XXI.


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