Família

Ter um filho é um ato de coragem: por que precisamos dela para encarar essa experiência avassaladora

A maternidade em si é um trauma porque representa uma ruptura intensa da realidade de uma mulher e de uma família - Shutterstock
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Publicado em 06/05/2022, às 05h55 - Atualizado em 18/07/2022, às 07h40 por Cecilia Malavolta, filha de Iêda e Afonso


Pular de paraquedas. Mudar de país. Aprender a dizer não. Ter um filho. Essas são situações completamente diferentes, mas que se assemelham em um ponto específico: todas, independente de como ou quando serão realizadas, exigem coragem. Esse sentimento, que muitas vezes deixa de ser algo etéreo e se torna matéria bruta, é palpável em momentos em que há uma ruptura da maneira de pensar, no modo de agir, no jeito de enxergar o mundo – o que nem sempre é fácil.

“Coragem, se a gente for pensar etimologicamente, é agir com o coração. Mas é também a força para enfrentar uma situação difícil”, explica Vanessa Abdo, doutora em psicologia e CEO do Mamis na Madrugada, mãe de Laura e Rafael. É aqui que a parentalidade entra em cena. “Ter filhos é um ato de coragem porque é uma situação que atravessa homens e mulheres”.

Não existe regra quando o assunto é criar um filho, mas uma coisa é certa: o nascimento de um bebê e, consequentemente, de uma família, exige coragem. A maternidade em si é um trauma – não no sentido negativo do que a palavra significa, mas pensando racionalmente em que isso representa: uma ruptura violenta, intensa. Um divisor de águas que redireciona qualquer caminhada e que requer fé e muita coragem para ser vivida.

A maternidade em si é um trauma porque representa uma ruptura intensa da realidade de uma mulher e de uma família
A maternidade em si é um trauma porque representa uma ruptura intensa da realidade de uma mulher e de uma família (Foto: Shutterstock)

“Precisa ser uma coisa enorme, impactante, como ela merece ser pela chegada de um outro ser vivo que depende completamente, biologicamente, fisicamente e emocionalmente dos pais”, define Vanessa. A vivência à flor da pele da realidade completamente diferente do costume invade o imaginário, o respirar e o ser de quem é arrebatado pelo acontecimento que é receber uma criança em casa.

Junto com o desafio que é criar um ser humano do zero e ensiná-lo tudo (falar, segurar uma colher, ir ao banheiro, demonstrar afeto), vem outro – talvez ainda mais difícil de abraçar por causa do entendimento (ultrapassado, podemos concordar) de que só se é uma boa mãe caso você dê conta de tudo: perceber que é impossível controlar a rotina e os acontecimentos do dia a dia. Por mais que você queira, se esforce, organize, mude prioridades, deixe hábitos de lado, uma coisa é certa: são poucas as coisas que vão sair exatamente como você planejou. E haja jogo de cintura para lidar com a imprevisibilidade da vida e a constatação de que, sem ajuda, não se vai a lugar algum.

O manual da maternidade

O medo de errar vem de antes do nascimento de um filho. Ele precede o julgamento alheio, a insegurança sobre o que outras pessoas vão pensar caso uma falha brote em um lugar onde deveria haver um prêmio de mãe-perfeita-que-nunca-errou. A verdade que pouco contam é que isso não existe. “Nunca se leu tanto sobre como é ser mãe, como se tivesse um jeito certo de ser. O ‘manual da maternidade’. Com isso, a gente criou uma geração de mães completamente inseguras, que não conseguem lidar com a maternidade de forma orgânica e simples”, argumenta Vanessa.

A enxurrada de informações e julgamentos online fez que surgisse uma geração de mães inseguras e com medo de tomar as próprias decisões
A enxurrada de informações e julgamentos online fez que surgisse uma geração de mães inseguras e com medo de tomar as próprias decisões (Foto: Getty Images)

Longe de qualquer intenção dizer que ser mãe é simples. Pelo contrário: assim como Simone de Beauvoir diz que não se nasce mulher, torna-se, com a maternidade é o mesmo caminho. Transforma-se em mãe à medida em que uma gravidez confirmada começa a mudar o corpo, as ideias, as necessidades e as prioridades de uma pessoa. A complexidade desse processo também gera muita confusão interna. Deixar de ser quem você sempre soube que era para dar espaço a alguém que é inteiramente responsável pela sobrevivência de outro ser é uma responsabilidade das grandes. Impossível não haver uma metamorfose para conseguir caber nesse outro papel.

A questão, no entanto, é sobre a maneira como nos é imposto o enxergar e viver a maternidade: sofrida, complicada, competitivamente acirrada para sempre deixarmos de ser mulher e seguir um caminho que nem sempre é o que faz sentido com a realidade de cada mãe. Tá aí o tal ‘manual da maternidade’ citado por Vanessa Abdo. “As coisas que realmente importam foram se esvaziando, que são a gestação, a chegada do bebê, a amamentação, como criar e educar uma criança. Com isso, essas mulheres vão ficando inseguras e se sentindo fracas para serem mães”.

“Estamos sempre correndo atrás das últimas informações sem nos dar conta que, na verdade, o que existe é a nossa forma de ser mãe para aquela criança, naquela família, dentro daquele contexto que é muito customizável. Não dá para pasteurizar um jeito de ser mãe e isso tudo requer coragem. De fazer diferente, ter uma maternidade autêntica, responsável, saudável”, explica a psicóloga.

Essa culpa é minha?

Estar diante de uma situação que gera muita insegurança e medo enfraquece nossa capacidade de ação. Com a maternidade no pacote, paralisar não é uma opção. Não é necessário ter grandes habilidades matemáticas para saber que a conta não fecha e que o destaque dessa cena é a culpa. Esse sentimento amargo de falha constante é conhecido das mães desde o dia um da concepção – ou, para algumas, ele vem antes mesmo disso.

“A gente fala tanto que ‘nasce uma mãe, nasce uma culpada’. Mas estamos falando do que? Que culpa é essa? A gente precisa ressignificar”. A sensação do peito invadido pelo pesar é quase automática – coisas que foram feitas na melhor das intenções passam subitamente a ocupar o pódio do erro sem ao menos entender o que há por trás disso. “Não dá para viver uma vida completamente sem culpa, mas também não podemos generalizar. Podemos ter uma maternidade mais leve, saudável e com mais qualidade”.

Olhar para o próprio maternar de maneira construtiva é o primeiro passo para ter uma relação mais saudável com o ser mãe e os filhos - e isso exige muita coragem
Olhar para o próprio maternar de maneira construtiva é o primeiro passo para ter uma relação mais saudável com o ser mãe e os filhos – e isso exige muita coragem (Foto: Getty Images)

Da ponte pra cá

‘Então a mãe resolveu não se sentir mais culpada pelas próprias ações (ou de terceiros) e viveu feliz para sempre’. Não, o final encantado de conto de fadas não existe na vida real. O que existe é trabalho duro para entender as próprias necessidades e reconhecer atitudes positivas e falhas reais – as que realmente aconteceram e são fatos propriamente ditos, não frutos de inseguranças e especulações. Encarar essa realidade também pede (muita) coragem.

“Precisamos nos olhar e perguntar se, comparadas com nós mesmas, estamos sendo a melhor mãe que nosso filho poderia ter”. Esse pensamento analítico não aparece da noite para o dia e também não é fácil de desenvolver. Antes que isso possa acontecer, é preciso também se entender (e, muitas vezes, lembrar-se) como mulher para só então vivenciar seu papel materno de maneira leve. Antes de ser mãe, você é outra pessoa com gostos próprios, desejos, metas – ter um filho é mais uma parte disso tudo.

“Quais são os nossos valores? Onde os imprimimos na vida social, religiosa e amorosa? Quem somos nós além dos filhos? Antes de ter filhos, durante a gestação e depois da maternidade? É um processo de autoconhecimento, de cura, de aparar as nossas arestas e de enfrentar os nossos desejos com coragem de dizer ‘Eu gosto disso e não daquilo, isso eu quero, aquilo, não’. A gente não consegue ser feliz apesar de ser mãe. Temos que ser felizes como mães, levando em consideração essa experiência que atravessa a nossa vida”.


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