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“Quando uma mãe não quer dar de mamar, temos que escutá-la”

Imagem “Quando uma mãe não quer dar de mamar, temos que escutá-la”

Publicado em 17/09/2012, às 21h00 - Atualizado em 05/11/2020, às 08h12 por Redação Pais&Filhos


Amamentar é recomendável, claro, mas não pode ser obrigatório. Como neste mês o assunto da nossa campanha contra culpa é amamentação, resgatamos a entrevista dada para a Pais & Filhos pela psicanalista Claudia Fernandes Mascarenhas, mãe de Pedro, especializada em psicopatologia do bebê pela Universidade de Paris-Nord. “Quando uma mãe não quer dar de mamar, temos que escutá-la. Quando qualquer tipo de profissional obriga a mãe a amamentar, é catastrófico. Quando uma mãe não está querendo amamentar tem que ver se ela não está protegendo o filho de algum tipo de pulsão mais agressiva que ela pode ter”, diz Claudia.

Por Larissa Purvinni, mãe de Carol, Duda e Babi e Alexandre Barroso, pai de Pedro

Às vezes a mulher se descobre esperando um filho, mas ainda demora a se sentir grávida. Em que momento nasce a mãe?

Gravidez é uma coisa e ter filho é outra. A mulher pode ter um desejo de gravidez, de se sentir completa, que tem muito mais a ver com ela mesma do que com o desejo de ser mãe. E tem a outra coisa que é ter o filho. É bem provável que a mulher queira muito ter um filho, mas odeie estar grávida. Muitos dizem que ela não vai ser boa mãe porque não está gostando de estar grávida, mas uma coisa não tem nada a ver com a outra. Quando o filho nasce, também vai ajudar a mãe a ser mãe. É preciso que o filho seja ativo o suficiente para fazer daquela mulher a mãe dele. Não é um instinto, não tem nada de natural nisso. É, na verdade, a construção de uma relação.

Não está implícito que mulher tem de ser mãe?

Não, assim como não está implícito que ser mãe é um mar de rosas. A gravidez deixa a mulher péssima, gorda. Depois do parto, todo mundo só olha para o filho. Quando ela começa a descobrir que não é uma situação fácil, começa a ficar mal, porque não está correspondendo àquele ideal de maternidade, em que não pode se queixar de nada, porque tem de achar que tudo o que o filho faz é uma maravilha. Acordar a noite inteira não é fácil! Mas, como ela gosta do filho e quer constituir a sua família, ela ultrapassa essa parte horrível.

É comum a mãe querer ser melhor do que foi a dela e acabar percebendo na prática que isso não é tão simples?

Quando a mãe ou o pai dizem que não vão fazer da mesma forma que os pais, significa que consideram como referência a maneira como foram criados. A situação mais complicada, de patologia, é quando há um estranhamento em relação àquele filho. Mas, quando se diz que vai fazer igual ou diferente, significa que esse filho pertence a uma linhagem.

Como é isso de a mãe estranhar o filho?

Isso pode acontecer quando o filho mostra um tipo de problema, e a mãe olha e diz que não se parece com nada nem ninguém da sua família. Em algumas situações em que o casal recorre à fertilização assistida, quando aparece qualquer dificuldade na relação com o filho, imediatamente vem a interrogação: “Será porque o óvulo não é meu? Será que é porque o espermatozóide não é do marido?”

Isso acontece na adoção também?

Pode acontecer. Mesmo com fatos corriqueiros, existe o questionamento: “Será que essa atitude do meu filho é parecida com a da mãe biológica?” Muitas vezes essa mãe e esse filho precisam de uma certa ajuda para ir refazendo esse desconhecimento/reconhecimento.

Como se dá o processo de reconhecer aquele filho?

A construção dos filhos na cabeça dos pais já vem bem antes. Os pais estavam pensando no filho há dez anos, querendo o filho, buscando, escolhendo, mas aquela criança que foi escolhida, não. Isso tem que ser esclarecido. Às vezes, a mãe fica arrasada porque a filha só quer comer com o pai. Nessas situações, a relação com o ideal é muito mais aguda. Quando chega aquela criança concreta, que chora, que chateia, que briga, que rejeita, que diz “eu não gosto de você”, como qualquer filho faz, eles se estranham. Já tive situações em que, se não houvesse uma intervenção, a criança seria devolvida.

Fala-se em mãe que rejeita filho na gravidez. Diz-se que, como ela rejeitou o filho na barriga, haverá uma distância entre eles depois. É fato?

A pergunta mais boba que existe é você chegar para uma mãe e perguntar: “Você desejou seu filho? Essa foi uma gravidez desejada?” Uma coisa é desejo, outra coisa é querer, outra ainda são as condições da mulher naquele momento. O que pode acontecer é a mãe estar vivendo uma situação de perda, de luto, de tristeza, ou o pai dessa criança a ter abandonado… Muitas vezes ela não consegue separar isso do que é o filho dela, que na verdade ela gosta, que ela estava querendo… Misturadas as coisas, pode-se chegar a esta frase: “Eu rejeito meu filho!” É preciso, então, fazer um trabalho para separar: isso aqui é uma coisa, isso é outra. As
situações patológicas são aquelas em que a mãe não é afetada pela gravidez, não percebe que está grávida até 8, 9 meses. Se está com raiva, tem alguma coisa que está fazendo com que ela se relacione com essa gestação.

O Ministério da Saúde afirma que amamentar fortalece o vínculo entre mãe e filho. As mães que têm dificuldades para amamentar se sentem culpadas. A amamentação desempenha um papel realmente tão importante?

A amamentação é um momento de grande proximidade da mãe com o bebê, principalmente de proximidade física. É um momento privilegiado de contato, mas isso não significa que em outros momentos essa mãe não consiga esse contato. O que é muito importante é que ela não seja obrigada a amamentar, porque, quando existe a obrigatoriedade, esse momento não acontece. Quando uma mãe não quer dar de mamar, temos que escutá-la. Quando qualquer tipo de profissional obriga a mãe a amamentar, é catastrófico. Quando uma mãe não está querendo amamentar tem que ver se ela não está protegendo o filho de algum tipo de pulsão mais agressiva que ela pode ter. Há mães que não querem de jeito nenhum dar banho na criança. Às vezes, elas estão protegendo os filhos de alguma coisa que elas poderiam fazer com eles e que não têm coragem de dizer para ninguém, pois é muito feio pensar nessas coisas. Quando uma mãe não quiser fazer alguma coisa, tem que respeitar. Nessa hora ela está protegendo o filho, é a hora em que está sendo mais mãe do que nunca.

Que diferenças existem entre o vínculo que a criança estabelece com a mãe e o que ela passa a ter com o pai?

É importante que a criança possa ter função paterna e materna. A materna é aquela mais acolhedora, de passar a mão pela cabeça, entender o choro… A paterna é a de dar limites, de cortar, de abrir um espaço entre um e outro, porque senão a criança fica grudada. Pode ser exercida por qualquer um dos dois. O problema dos “pães” [pais que assumem o papel de pai e mãe ao mesmo tempo] é quando nenhum dos dois exerce a função paterna.

Precisa necessariamente ser o homem a dar limites? Tem de haver essa carga de autoritarismo?

Você pode dar limite da maneira mais delicada possível. A criança precisa ter noção de limite até para que ela consiga ficar independente, para que consiga se separar dos pais. O que é a função paterna? É a função importantíssima que possibilita que a criança se separe aos poucos dessa relação quase umbilical com o outro. Cada um vai fazer da sua forma. É preciso que a criança tenha o acolhimento e o limite.

E quando acontece de um interferir na função do outro?

Quando os dois têm opiniões diferenciadas e a mulher toma para ela e diz: “Espera que o filho é meu”, isso é conflitante o tempo todo.

Há casos em que o casal acaba se separando por não conseguir dividir a educação dos filhos?

Vamos começar lá no início. A mulher está grávida e mostra que há dois que estão absolutamente juntos e um que está fora. É verdade que a mãe estaria mais propensa a exercer a função materna.Como o homem está fora, e vai ter que entrar, está mais propenso a exercer a paterna. De acordo com o histórico dessa mulher, o que viveu com relação aos pais etc., ela vai permitir mais ou menos a entrada desse homem. Também em relação ao homem, vai depender de como ele viveu isso, se vai conseguir entrar mesmo ou não. Se por acaso a mãe não quer muito que ele entre, e ele já está se sentindo excluído, pode achar que não vale a pena dizer nada. E, aí, estamos vendo a configuração perfeita da não-entrada do pai na história.

Os pais costumam dizer que gostam de todos os filhos do mesmo jeito. Como é essa vinculação com os diferentes filhos?

A relação de um pai ou mãe com o filho é um encontro único. Não vai se repetir com nenhum outro da mesma forma. Na relação, existe a participação de um e de outro. É verdade que, se um filho não faz por merecer a conquista de um, na hora de sair, por exemplo, o pai ou a mãe prefira o outro. Não acho que isso signifique que ele gosta mais, mas que se sente mais afinado com aquele filho. O pai fica mais sossegado em preferir um ou outro, para a mãe, isso é mais complicado: ela acha que tem que ser mãe igual para todos, talvez até por uma questão cristã, de que seria pecado fazer diferente.

E quando os pais não podem estar tão presentes quanto gostariam e tentam compensar a ausência de outras formas?

Quanto mais difícil for a relação do pai ou da mãe com a sua própria falta, mais ele vai tentar colocar o filho nesse lugar de completar o que ele próprio não tem. Mas é uma relação dele com ele mesmo, muitas vezes não é nem com o filho. O filho às vezes não está nem aí.
Hoje em dia é uma coisa muito comum, desde a classe mais empobrecida à mais favorecida, tentar poupar o filho de qualquer tipo de sofrimento. É claro que ninguém gosta de ver os outros sofrerem, mas os pais não têm como tirar o sofrimento. Muitas vezes os filhos pagam
um preço alto por isso, vivem uma vida meio cor-de-rosa e não é nada disso depois.

Quais são os sintomas mais comuns apresentados pelas crianças que chegam ao seu consultório?

Nos dois primeiros anos de vida são os ligados ao sono e à alimentação. Depois a gente vai para os sintomas do corpo, psicossomáticos. As alergias, os eczemas, coisas assim. Depois a criança vai crescendo mais um pouquinho, os sintomas ficam ligados à escola, não aprendem, não prestam atenção… Hoje em dia é moda transformar tudo em síndrome tratável com medicamentos.

Depressão, hiperatividade. Até há pouco tempo, todas essas especificidades clínicas não eram doenças. O que mudou?

A indústria farmacêutica é muito forte. É para vender remédio e isso compõe muito bem com a corrente organicista da medicina. Se na década de 70 foi o auge da psicanálise, quando você tinha que escutar o sujeito, agora vivemos o tempo da medicação. Eles estão vencendo a batalha.

Então, a gente, que não é especialista em nada disso, pede socorro para quem? Resolve sozinho?

Eu acho que a gente tem que dizer para os pais que eles têm um saber sobre os filhos. Que eles têm que valorizar essa intuição e não procurar sempre o profissional.

Você é especialista e também é mãe de um menino de 8 anos. O que acontece com a sua relação com esse filho, nessas horas em que você se vê com problema e não pode tratar?

Com o filho você tem que ser mãe, com paciente você é analista. O que talvez ajude é que, quando ele fala, eu realmente presto atenção, porque eu acho que é importante escutar as crianças. Isso é da minha profissão, e ela me ensinou que as crianças dizem coisas importantes.

Se você for profissional com ele…

Ele perde a mãe e vai ficar órfão.

Você também perde as estribeiras, você dá tranco?

Já aconteceu de gritar. Bater eu nunca bati, mas acho que, de vez em quando, não tem nada de errado. Mas, em primeiro lugar, a palavra tem que funcionar. Ela tem que ser o efeito-limite. Existem situações em que a palavra não dá mais conta, aí, nessas situações, muito excepcionais, vale a pena ser enérgico, para a criança perceber que ali tem um limite.

A dificuldade às vezes está nos pais e não nas crianças. Fala-se muito que os pais não conseguem colocar limites. Isso se intensificou agora?

Os adultos têm muita dificuldade de falar para as crianças as coisas da vida. Eu acho que eles se imaginam no lugar da criança, ouvindo aquilo. Dizer para a criança que alguém morreu, dizer que está doente, dar esse tipo de notícia, é muito difícil.

Qual é a hora de falar sobre essas coisas?

A hora de dizer é a hora em que acontece.

Tem gente que protege. Ou não conta ou não leva ao enterro… É pior?

É o adulto que não está conseguindo se ver falando aquela coisa tão triste para a criança. A criança vai chorar, ficar triste e é isso mesmo.  E você também pode chorar naquela hora, você também está triste.

No meu tempo, a mãe tirava a gente da sala porque ia ter uma conversa de adulto. Tem conversa de adulto que filho não pode escutar?

Eu acho que tem. O que não é da conta da criança.

Mas, se o pai perde o emprego, ela não precisa saber?

Isso é outra coisa. A conversa de adulto não é esconder que você está desempregado. A conversa sobre como vocês vão resolver a situação é problema do casal e não da criança. Ela vai tomar conta disso, não vai querer ir ao parque para não gastar, não vai querer comer para não gastar. Os filhos não vão conseguir resolver isso.

Mãe também odeia?

Quando você suporta que pode odiar de vez em quando, também suporta que seu filho possa te odiar de vez em quando. Às vezes o filho diz para a mãe que a odeia e ela fica acabada com aquilo, chora… É assim mesmo, tem horas que a gente odeia.

Tem isso de boa mãe e má mãe?

Isso é mais da fantasia das mães, do ideal. Se ela está mais perto do ideal,  acha que é boa, se está longe acha que está sendo ruim. É uma relação única.

Então Amélia não era mulher de verdade (risos)?

Isso é você que está dizendo. Tem mães que às vezes descobrem que tinham uma carreira enlouquecida e depois da maternidade resolvem ficar em casa, se dão bem com isso. Tem outras que ficam em casa e enlouquecem.


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