Publicado em 26/10/2017, às 15h49 por Tatiana Schunck
Na noite passada recebi um presente de dois amigos queridos. Não se trata de um presente material, mas de algo que tenho de exercitar no dia, na hora e no estar. A palavra “hospedar”, dada ao meu senso de escutar, foi colocada em jantar como uma ação a ser feita e reconhecida dando um sentido maior ao estar com.
Hospedar, no dicionário, diz: oferecer ou receber abrigo; alojar(-se), abrigar(-se). Esse estar junto com abertura maior ao outro é exercício difícil em dias complexos como os que seguem. Mas também é ato difícil de si para si, pois não abrigamos em nós somente aquilo que dominamos, talvez o contrário. Para dar escuta e espaço a tantas, as demandas e vozes internas, precisamos deixar vir para, no fundo do fundo, seguirmos lembrando e reconquistando quem em essência somos. Às vezes, somos velhas entidades em almas pequenas.
Então, numa dada manhã, Joaquim, de cinco anos, ficou de pá virada quando quis mais um pão e eu e o pai dissemos para ele mesmo pegar. Como numa reação de expulsão, ele se irou e disse que não. Que a gente mandava demais ele fazer as coisas. Bom, dissemos, quem quer o pão é você e não nós. Irado, foi até a sala, desistiu da comida e enfureceu o início de dia. Como quem não tinha abrigo, como quem não se sentiu alojado, nem abrigado, reclamou. E a gente, mãe e pai, quase irritados e sem entender as complexidades da alma, quase perdemos a chance de vê-la em seu instante de aparição.
Mas, em sua sabedoria de perseguir e de não largar aquilo que quer, ele enfrentou e nos deslocou. Tentamos a paciência do… E se começarmos de novo e você pegar o pão e eu passar a manteiga? Não. E se você bater na porta e a gente te receber como um convidado? Não. E se você… Eu não quero pegar o pão, você pega e eu passo a manteiga. Tá bom. Pode ser. Então, saiu da cozinha topando todas as alternativas anteriores e bateu na porta como um convidado. Abrimos e recebemos. Ele se sentou à mesa, formalmente nos cumprimentamos e ele disse: eu tenho quinze anos.
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