Publicado em 08/10/2014, às 21h00 por Nanna Pretto
“Mamãe, você sempre foi canhota?”
“Sim, sempre escrevi e fiz tudo com a mão esquerda.”
“Ah… Achei que você era canhota que nem a Anita…”
“Que Anita, filho?”
“Anita Malfatti. Ela nasceu destra, mas teve um problema na mão direita e teve que aprender a fazer tudo com a mão esquerda. Daí virou canhota. Que nem você. Quer dizer, ela virou canhota. Você nasceu assim, né?”
A conversa rolou enquanto pintávamos juntos um desenho. Ele poderia falar da Peppa, da Mônica, do Cebolinha ou do Ben 10. Mas falou da Anita Malfatti, artista modernista, de forma muito natural.
“Eu gostei das pinturas dela. E você pinta bem também! Será que é porque as duas são canhotas?”
Eu não respondi. Na verdade fiquei tentando me lembrar de alguma obra da artista que eu realmente tenha admirado. Mas só me vinham aquelas moças sisudas, todas com cara de emburradas.
Mas Gabi não conheceu a Anita Malfatti por minha causa. Foi feito da escola introduzir as obras e a vida dela na do meu filho. Isso quando ele tinha uns 3 para 4 anos. E tem gente que ainda fala que crianças não entendem, que é perda de tempo apresentar certas informações ou explicar demais para criança! Nada disso. Eu cresci numa casa onde tudo era explicado, para o bem ou para o mal, por estar certo ou errado (adultos também fazem coisas erradas e são questionados pelas crianças…).
Lembro uma vez que o meu pai chegou em casa “p da vida” com a escola, porque foi chamado para escutar da diretora que eu questionava demais em sala de aula. “Mas não é para isso que ela está na escola? Questionar não é um direito do aluno?”
Era algo assim que ele tinha respondido antes de sair da temida salinha, dizendo que ele nunca iria me proibir de questionar. E assim sou eu!
E assim é meu mini me. Questiona, pergunta, argumenta e guarda tudo na cabeça. E, depois de anos, ainda vem com doces e divertidas lembranças. Tudo em forma de conhecimento.
Eu sempre dou uma resposta para os questionamentos dele. E, quando não sabemos, vamos atrás (jornalismo investigativo, meu sonho!), procuramos em livros, na internet, perguntamos a outras pessoas… E quando não achamos uma boa resposta para o caso, deixamos ele em stand by.
Não vejo problema em criança saber demais. Existem assuntos que eu explico superficialmente e concluo com a frase “isso ainda não é para a sua idade. Você entenderá mais para frente.” E eu não tenho uma criança que berra e quer saber a todo custo de tudo. Ele já entende que existem, sim, assuntos que (ainda) não são para ele.
Enriquecer a vida de uma criança, explicar-lhe as coisas, parar para escutá-la e dar o seu parecer sobre o assunto: coisas que a vida moderna está tirando de nós, bons pais.
Deixar que a escola tome conta de tudo e cuide do nível intelectual do seu filho: uma nova mania!
É comum ver, nas reuniões de pais, pessoas reclamando porque existem tarefas que a família tem de fazer junta. Ou que isso ou aquilo é “papel” da escola. Grande bobagem. A educação começa em casa, vai e volta da escola e continua em casa. Estudar também é ver um filme, ir a um museu, mostrar ou explicar um quadro.
Gabriel gosta de histórias e se interessou pela de Anita porque certamente tem essa cultura adquirida aqui dentro da nossa casa. É assim com o Sebastião Salgado, Jorge Amado ou Gilberto Gil. O que ele traz da escola nós aprofundamos. O que ele leva para a escola é compartilhado. Sem definição de quem é responsável pelo quê, mas somando, a casa com a escola, e resultando num menino curioso, interessado e – por que não?– questionador.
Quando sou comparada à Anita Malfatti, percebo que estou no caminho certo. Ou pelo menos tentando acertar…
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