Publicado em 06/05/2020, às 08h43 por Mel Albuquerque
Tem sido curioso assistir às diferentes reações das famílias ao lidar com a quarentena e o acúmulo de papéis. De repente as pessoas perderam o foco no crescimento, no lucro, na sua empresa, nos projetos megalomaníacos, nos planos para o futuro e no seu próprio umbigo. De tanto chamar, o mundo atendeu. O trem parou e a família brasileira, perdida, se desesperou na descida.
Sem babá, sem funcionária do lar, arrumadeira, passadeira, escola e casa dos avós, a família brasileira ficou perdida. A quantidade de áudios, vídeos e textões de reclamação na web multiplicaram a milhão. Os pais parecem ter-se dado conta de que precisam voltar a seus postos originais: a parentalidade. E mais do que isso, perceberam que não há saída e que precisam dar conta do recado.
Acorda as crianças, arruma as camas, a casa, dá leite pro bebê, troca a fralda, bota o café da manhã. Lava e organiza a roupa. Pula a parte do ferro de passar. Trabalha. Prepara o almoço. Lê um livro? Ah, deixa para amanhã. Entre um “manhê”, o “cadê” sei lá o quê, aproveita para responder mensagens, botar no papel aquela ideia que veio no banho – um dos poucos momentos de sossego. Mas não o mental. Trabalha mais um pouco. Cuida das crianças, ajuda nas atividades da escola enquanto, sim, trabalha. Alguma louça vai quebrar. Conta história pra dormir, prepara os estudos do dia seguinte. Cria um espaço pro casal. Afinal, não é, precisamos investir no tal romance. Pelo menos um bate-papo de adulto onde é proibido falar das crianças. Abre um vinho, força os olhos a ficarem abertos durante o filme romântico. No fim do dia fica até difícil dormir, tamanha exaustão.
Parece a sua vida nesta quarentena? Pois, grosso modo, essa é a vida de IMIGRANTE. Aquela vida maravilhosa que tem quem sai do país em busca de “algo a mais”, mesmo que não saiba ainda exatamente o quê e acaba dando o nome de “mais segurança”, “estilo de vida” ou o tal “life-work balance” que em português seria o “equilíbrio vida-trabalho”. Eu entendo o seu desespero, sua falta de tempo, de foco. Sinta aqui meu abraço apertado. Você não está só.
Não me entenda mal. Não estou reclamando da minha vida de imigrante. Eu fui privilegiada por ter escolhido estar onde estou e amar estar aqui (em Londres). Nem tão pouco estou dizendo que as pessoas precisam abrir mão de ter ajuda nas funções da casa no Brasil. Delegar funções menos primordiais ao funcionamento de um lar é uma MA-RA-VI-LHA. Sinto muita falta. Mas se desesperar diante do desafio de ter tempo nas mãos e convívio com os filhos, é preocupante. Mesmo que nesse contexto atual venha tudo – filhos e afazeres da casa – como uma enxurrada, ao mesmo tempo.
Se tem um lugar onde somos insubstituíveis é na nossa casa, para a nossa família e, principalmente, para os nossos filhos. Se tem uma empresa na qual só existe a função de CEO é a da parentalidade. Não precisamos virar feras da faxina ou na organização de gavetas. Mas será que você aí estava precisando desse chacoalhão para repensar o seu papel de formador de pessoa, educador e “amador” no sentido de ser quem ama e é (muito) amado?
A vida fora do Brasil é bem assim. Às vezes a gente aqui até esquece o que é realmente importante pela quantidade de itens na caixinha “TEM-QUE-FAZER”. Precisamos de foco. Precisamos muitas vezes deixar louça na pia, a cama desarrumada, fazer nuggets para o almoço e respirar. Ir brincar com as crianças. Precisamos bater aquele papo durante o banho deles para descobrirmos como foi realmente o dia na escola. Precisamos aprender a ouvir, afinal a avó, tia, ou até a babá não está por perto para entender o mesmo contexto sob outros aspectos. A multitarefa que já parecia demais pode, sim, piorar quando a gente se torna imigrante. O poço parece por vezes ter um fundo falso e é duro perceber isso quando toda a infra-estrutura que nos dava suporte e a que estávamos acostumados desaparece da noite para o dia.
E você, como tem sido seu estágio como imigrante nesta quarentena? Você que diz ou só pensa que seu sonho é morar fora do Brasil. Que você só será feliz e completo quando este dia chegar. O pedágio é caro. A realidade é dura. É solitária. Os papéis são confusos. Mas sim, se a família (e o casal) aguentar passar pelo furacão, o mundo se abre antes de fechar de novo. O jardim de casa pode ser de uma extrema paz. O tempo pode ser gentil. A infância pode até durar mais. Mas não se iluda. Enquanto está tudo parado, aproveite a brecha no tempo para fazê-lo render. Esqueça a FOMO (fear of missing out) e aprecie as possibilidades. Mesmo que nada mude realmente, o mundo vai recomeçar. Nem que seja dentro das nossas casas. Quem sabe você não redescobre que aquilo que te faz feliz e o que te torna completo está mais perto do que imagina.
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