Publicado em 23/06/2021, às 11h32 - Atualizado às 11h46 por Beto Bigatti
Nosso sofá é novinho, ainda nem está tão macio, mas nos recebeu de braços abertos. Os guris, a Lu e eu juntinhos embaixo do edredom, um sendo almofada do outro, que é a melhor coisa de uma sessão de cinema em família. Já era noite e fizemos o clássico: luzes apagadas, pipoca quentinha e o play quando todos estavam devidamente nos seus lugares.
Perfume de família no ar, banhos tomados, pijamas limpinhos. Uma noite de gala para nós. Vamos assistir ao que os guris chamaram de “o filme do papai”. A expectativa é de final de Copa do Mundo.
O filme é lindo. Daqueles de dar risada e de se emocionar. Baita programa para a família. “Luca” é da Disney/Pixar e está disponível na plataforma por assinatura Disney+. E nele, pela primeira vez na minha vida, vejo um personagem que é um pai sem um braço sendo exatamente isso: pai. Faz jantar para a filha e os amigos e é amoroso. Tudo isso num filme imenso, de um estúdio gigantesco. Coisa de Oscar mesmo.
A cena que acabou comigo foi a mesma que fez meus filhos gritarem “papai, é tu mesmo!”. Foi assim: um dos amigos da filha é pego observando a deficiência do pai. Não vou mentir, me arrepiei com a cena mais verdadeira que poderia ter visto. Foi como se eu tivesse entrado para o roteiro e assumido o olhar e a fala de Massimo, o personagem: “Nasci assim”. O menino entendeu e a cena seguiu. Com a naturalidade que a vida nos apresenta.
Já vivi essa cena fora das telas um número tão grande de vezes que não consigo contabilizar. Mas era só eu, entende? Sem luz, câmera, ação. Era na minha pele que, às vezes, doía. A vida fez parecer por um bom tempo que eu estava sozinho nessa. Na escola, lembro de apenas um outro colega com deficiência. Na faculdade, de nenhum. Nas duas pós que fiz, era eu. Apenas. Se você olhar bem, nas lojas do seu shopping preferido também não existimos, porque não temos “boa aparência”. Ou porque não nos entendem capazes.
Mas o maior estúdio de filmes de animação do mundo nos enxergou. E de uma forma natural. Sem mostrar nossa “superação” ou nossa história “exemplar”. Apenas como um pai que faz o jantar, cuida de sua filha e acaba ajudando os protagonistas do filme rumo, vejam só, à própria aceitação. Se isso não é representatividade e a prova de que ela importa, não sei de mais nada. Ok, talvez tenha demorado, mas o dia chegou e ver meus filhos vidrados, aguardando as cenas em que “eu” apareceria é coisa de maluco. Coração não aguenta. Obrigado, Pixar.
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