Publicado em 20/04/2020, às 09h27 - Atualizado em 12/04/2023, às 14h18 por Yulia Serra, Editora | Filha de Suzimar e Leopoldo
“Acreditem no que os médicos estão falando. O coronavírus é uma doença muito feia e a ataca mesmo”. Esse é o apelo que Dona Dilva Marsola, de 76 anos, avó de Guilhermina, faz a todos os brasileiros. Depois de perder o marido, Nelson, com 79 anos, para o vírus, ela conta em detalhes como foi acompanhar os primeiros sintomas, agravamento do quadro até receber a notícia do falecimento. As primeiras queixas de Nelson foram em relação a dor nas costas e febre. Ela tentou levar o marido para o hospital, mas ele apenas aceitou alguns dias depois. Foram receitados com remédios e voltaram para casa.
Depois de dois dias, o marido começou a reclamar que a comida estava sem tempero. Retornaram ao hospital e foram feitos novos exames. “O médico me disse que o que meu marido tinha era muito grave, um pulmão inteiro dele estava tomado e outro pela metade por conta da doença”, lembra. Dilva comenta que tentou ser forte nessa hora, já que o marido começou a chorar. No meio de tantas perguntas dele e palavras de incentivo dela, ele afirmou: “Meu amor, eu não vou voltar”. Foi naquele momento que ela diz ter perdido o chão.
Nelson precisou ser internado. Em um primeiro momento, sem necessidade de oxigênio, conseguiu telefonar para Dilva. Nessa ligação, reforçou mais uma vez que não sairia dali: “Quero que Deus perdoe meus pecados e me leve para um lugar bom”, depois caiu no choro. Essa foi a última vez que ela falou com ele. O contato na UTI era feito através de um vidro, não conseguiam se ouvir, apenas ver. “Eu ia lá olhar, mas ele sempre pedia que saísse, fazia sinal com a mão, porque não era lugar de eu ficar. Mas eu fiquei”, acrescenta.
Durante uma dessas visitas, Dona Dilva não resistiu à distância. “Em um momento que não tinha ninguém por perto, abri meio metro da porta. Meu marido falou: ‘Não faz isso’ e eu continuei: ‘Só quero te abraçar e beijar’. Ele repetiu: ‘Sai daqui, não faz isso’, então um enfermeiro apareceu, eu fechei a porta e comecei a chorar”, lembra. Depois desse episódio, desabafa: “A gente perde o chão, o sentido da vida. Naquele momento percebi que tudo seria mais drástico do que poderia imaginar”.
Dilva também foi diagnosticada com covid-19. Ela começou ter sintomas como febre e cansaço, mas conseguiu se recuperar e já está fora de perigo. A demora para ir ao hospital aconteceu porque o marido quase não reclamava dos sintomas: “Ele não era bobo, sentia e sabia de tudo, mas não queria me preocupar”. Durante as três visitas na UTI, ela tentava se manter firme, mas quando chegava em casa, não conseguia esconder a dor. Depois de 47 anos de casados, ela relata: “Foi um momento muito doloroso, porque você vê a pessoa que ama sofrendo e se sente inútil, já que não pode fazer nada”.
A notícia do falecimento de Nelson chegou através de uma ligação. “Eram 7 horas da manhã, meu filho estava dormindo na sala e atendeu. Eu vim do quarto. Quando cheguei, ele fez sinal para que saísse de perto. Apenas perguntei se era do hospital. Ele confirmou e eu concluí: ‘Então acabou tudo, né?’. Trocamos olhares, nos abraçamos e choramos”, conta. A união da família tem sido fundamental para Dilva, assim como as rezas diárias, que costumava fazer com o marido. Ela afirma que o enterro foi uma das partes mais difíceis do processo, por não poder se aproximar e não haver velório.
“Não está sendo fácil. Agora começa a cair a ficha, vem as lembranças e você fica se perguntando o porquê não fez isso ou aquilo, então acaba se culpando. Isso é a pior coisa que um ser humano pode passar”, lamenta. Por isso, ela volta a fazer um pedido para todas as pessoas: “Nós precisamos obedecer. Tem muita gente que não leva à sério a doença, mas é preciso ficar em casa. Não é para sair. Se você tem saúde, deixe tudo isso passar antes”.
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