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Cabelo crespo, e daí? Saiba como identificar e ensinar às crianças sobre esse tipo de racismo

O post que foi alvo de comentários racistas no Instagram da Pais&Filhos - Reprodução / Instagram / @paisefilhosoficial
Reprodução / Instagram / @paisefilhosoficial

Publicado em 04/05/2022, às 07h35 - Atualizado em 14/11/2023, às 16h10 por Redação Pais&Filhos


O racismo pode chegar de diferentes maneiras e com diferentes intensidades. Ele pode vir por meio de elogios, observações e, críticas. E o cabelo crespo, que é uma marca para a identidade e cultura negra, é um grande alvo desses comentários racistas. “Na nossa sociedade só é possível identificar esse racismo quando começamos a estudar, a desconstruir os padrões racistas. Do contrário, não é possível identificar, porque fomos ensinados e treinados a naturalizar o racismo”, explica Paula Batista, jornalista e madrasta de Iara Flor e Sofia Lua.

Algumas vezes, esse preconceito vem de forma velada – ou seja, ofensas feitas aos negros de maneiras indiretas. E foi isso o que aconteceu em uma publicação feita no perfil da Pais&Filhos no Instagram, em que uma foto de uma criança negra de black power, foi alvo de comentários racistas. Por isso resolvemos fazer esta reportagem. E reforçamos: a bandeira antirracista que a Pais&Filhos vem levantando não é algo pontual – estamos comprometidos com essa causa.

Dentre os comentários feitos na publicação, a maioria demonstrava racismo de forma velada ao criticar o cabelo crespo do menino, o que, para Humberto Baltar, pai de Apolo, educador infantil e criador do Instagram @paispretos, é um belo exemplo de como esses dois assuntos se entrelaçam. “Especialmente na questão da representatividade. Durante muitos anos, foram poucos os personagens infantis pretos com cabelo grande e crespo. Alguns desenhos tinham personagens pretos, mas com o cabelo liso, ondulado ou que usavam turbantes. Qual é a dificuldade em ter personagens pretos com cabelo crespo, black power, afro puff ou trançado?”, ele levanta a questão.

O que o cabelo tem a ver com isso?

Tudo. O cabelo é um dos principais elementos de ataques racistas, segundo Paula, que reforça que ele também é essencial para identidade da pessoa negra. “Quando as crianças negras vão à escola, com frequência recebem ofensas sobre seus cabelos, já que a norma é o cabelo liso. Isso faz parte de uma hierarquia de beleza. Sem pensar, as pessoas são incentivadas a acharem que o cabelo liso é o mais bonito, mas isso é uma construção social feita por meio das ideias racistas e do padrão exigido”, ela explica.

O post que foi alvo de comentários racistas no Instagram da Pais&Filhos (Foto: Reprodução / Instagram / @paisefilhosoficial)

Magda Figueiredo, mãe de Matias, educadora parental e blogueira parceira da Pais&Filhos, diz que o tipo de racismo que vem pelo julgamento do cabelo crespo sempre existiu. “Aprendemos que o preto tem cabelo ‘ruim’ e que precisamos alisar, prender, fazer trança. Foi assim que a sociedade nos obrigou no passado, mas isso mudou e hoje saímos dessa caixinha. Ensinamos para os nossos filhos que devemos ser como somos: livres! Meu cabelo não é ruim!”, ela diz. “Acho que a pior parte é quando a pessoa não assume o racismo velado, e se nega a pedir desculpas”, completa.

Como saber se é mesmo racismo?

Como dito anteriormente, o racismo às vezes aparece de maneira indireta, discreta, velada – mas não deixa de ser racismo. Pode não ser tão simples de ser identificado se não foi você quem sofreu o preconceito diretamente e, na dúvida, a dica de Humberto é se atentar ao comportamento da criança ou adulto. “Dá para identificar pela reação de quem o sofre o racismo. Professores não podem continuar em silêncio e agindo normalmente vendo crianças pretas isoladas na sala de aula ou no pátio durante o recreio. Muitos evitam perguntar o que está havendo porque sabem que não vão saber lidar com a questão”, ele acredita.

Magda ainda se lembra de um episódio em que sofreu racismo velado de uma criança no metrô, e que a mãe da menina, ao invés de ensinar, reforçou o preconceito e inclusive mudou de lugar para ficar longe dela. “As pessoas aprendem de acordo com o que se é ensinado – é assim que essa mãe deu exemplo à filha de que um cabelo black power solto, é sinônimo de sujeira”.

A importância de ensinar desde cedo

Explicar ao seu filho que o racismo pode, sim, aparecer de maneira “escondida” quando se julga o cabelo, por exemplo, é essencial para uma educação antirracista. “É preciso mostrar às crianças a diversidade de texturas, formas, penteados e cores dos cabelos e defender a beleza de toda essa variedade, não apenas do cabelo loiro e liso”, Humberto acredita.

Uma criança branca que não foi ensinada a ver beleza nos diferentes à ela, dificilmente conseguirá admirar o cabelo crespo, indica Paula. “Algumas vezes, essa não-admiração se torna agressão racista contra as crianças negras. Precisamos ensinar para as crianças que as diferenças são elementos essenciais para a construção da nossa diversidades e que todas as pessoas, com suas características, são essenciais para a formação da nossa sociedade”, ela pontua.

Uma criança branca que não foi ensinada a ver beleza nos diferentes à ela, dificilmente conseguirá admirar o cabelo crespo – é assim que o racismo começa (Foto: Getty Images)

“Elas precisam ouvir que todos os estilos são lindos. Precisam ter essa certeza antes de ouvir que o cabelo loiro é o mais bonito. E não basta falar nisso. É preciso apresentar essa variedade. A maioria dos desenhos infantis não apresenta essa diversidade racial e é papel dos pais fazer isso. Principalmente se estiverem atentos à criação de filhos antirracistas. A criança educada em meio à pluralidade e exaltação de sua aparência se saberá linda e não se deixará abater por comentários e piadas racistas tanto quanto aquelas apresentadas apenas à beleza da branquitude”, o professor acrescenta.

Ensinar as crianças desde cedo, em casa e na escola, faz toda a diferença na educação antirracista (Foto: Getty Images)

Magda lembra que ela mesma – e muitas gerações – foram criadas em meio a muito preconceito e racismo. Por isso, ela acredita que a educação das crianças faz toda a diferença. “Hoje precisamos educar nossos filhos de forma que mostramos que somos diferentes, temos culturas diferentes no mundo, e que a afro é uma delas e ela tem sua colocação no mundo, e que merece todo o respeito, assim como as outras. Precisamos disso na escola e em casa”, ela diz.

Quem já viveu na pele

Humberto, Paula e Magda, infelizmente já passaram por situações parecidas. “Na minha infância um dos comerciais mais populares na TV era o de uma marca de palha de aço”, ele lembra. “Não sei se existe uma criança preta nascida na década de 80 ou 90 que nunca foi comparada com esse produto”, lamenta. “Algumas me perguntavam se eu podia emprestar meu cabelo pra elas lavarem panelas ou colocarem na antena da TV pra melhorar a imagem. Eu segurava o choro, respirava fundo e ria como se tivesse achado engraçado porque reagindo com violência na primeira vez e fui colocado de castigo”, ele lembra.

“Quando eu era criança, minha mãe alisava meu cabelo porque eu não era aceita na escola por ter o cabelo black power”, lembra Magda. Isso aconteceu até os 27 anos dela, quando decidiu que aquilo não combinava mais com ela e com quem ela tinha se tornado. Aos poucos, ela foi cortando e tirando o alisamento – ao todo, 4 anos de transição capilar! “Isso também te dá essa coragem, a raiz crescendo te dá força, você passa pela transição empoderada”, ela conclui.

O cabelo crespo é uma marca para a identidade e cultura negra (Foto: Getty Images)

Já Paula, desde muito pequena, usou um elemento muito importante e marcante da identidade e cultura negra: as tranças. “Na escola, as crianças me chamavam de cabelo de macarrão queimado. Na sociedade racista em que vivemos, nós, crianças negras não somos ensinados a lidar com essa questão, somos acostumados, desde muito pequenos, a naturalizar essas ofensas. Porém, após anos engolindo essas violências vamos nos enrijecendo para não sentirmos mais nada, nem as ofensas nem os afetos… Muito trabalho de terapia precisa ser realizado para superar essas ofensas racistas sofridas na infância e adolescência“, ela completa.

Como lidar com isso?

“O preto aprende já na escola que reagir ao racismo raramente resolve alguma coisa”, Humberto diz logo de cara. “Sou professor há 20 anos e afirmo com convicção que o despreparo para lidar com o racismo na escola ainda é geral. Caso contrário, não seria algo rotineiro há tanto tempo”.

É preciso falar  sobre racismo e trazer referências negras para dentro de casa (Foto: Getty Images)

Paula aconselha, principalmente com crianças, seguir um caminho de compreensão e tentar entender questionando: “por que você fez / disse isso?”. “À medida que a criança for verbalizando os motivos, é possível desconstruir as ideias racistas da criança para que ela mude a visão e a postura”, ela aconselha.

Autoestima e autoamor

“O impacto desses ataques foi tão forte que só deixei meu cabelo crescer e me permiti conhecer seu volume e textura com quase 30 anos. Meu filho, ao contrário, tem apenas um ano e cinco meses e ama seu cabelo black, pois entendemos que é essencial cultivar o autoafeto das crianças pretas desde a infância”, conta Humberto.

“As crianças estão se empoderando daquilo que acreditam. As meninas saem de cabelo solto, meninos usam black e os pais também estão usando – e essa é uma das principais referências para as crianças, porque se eu estou usando meu cabelo black, meu filho também vai querer. É um empoderamento mesmo, e a gente precisa ensinar às crianças. Se no futuro eles quiserem mudar o cabelo, tudo bem. Mas a partir do momento que uma criança é empoderada, com certeza ela se torna mais capacitada do poder de decisão de assumir a sua origem”, Magda conta.

Racismo é crime

Sempre bom lembrar. “Isso dói. Isso machuca. E quando a gente fala de machucar, a gente fala de ser humano, de mães, pais e filhos que estão do outro lado e que sofrem com o racismo”, Magda acrescenta. “E isso nos mostra o quanto ainda precisamos trabalhar, educar, se colocar, questionar, conversar e ensinar a todos – sejam as crianças, os pais ou os avós, porque às vezes essas pessoas realmente não sabem e precisam aprender”.

Segundo o Portal do Conselho Nacional de Justiça, “ao contrário da injúria racial, o crime de racismo é inafiançável e imprescritível. A injúria racial está prevista no artigo 140, parágrafo 3º, do Código Penal, que estabelece a pena de reclusão de um a três anos e multa, além da pena correspondente à violência, para quem cometê-la”.


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