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O rito do encontro: refeições na pandemia

Se reunir em volta da mesa é um hábito da pandemia que ficou - Getty Images
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Publicado em 07/12/2022, às 12h08 por Dado Schneider, Valesca Karsten, Marisa Eizirik e Bia Borja


O projeto PAISdemia dedica-se a pesquisar os efeitos produzidos pela pandemia. Neste artigo, uma questão bem importante no cenário PÓS-PANDEMIA: o aumento de peso e a obesidade nas crianças. Inatividade, excesso de telas e dificuldades na retomada da rotina de atividades físicas de uma hora para outra são pontos que interferem nisso. Como os pais estão lidando com a questão no momento atual?

família reunida em volta da mesa
Se reunir em volta da mesa é um hábito da pandemia que ficou (Foto: Getty Images)

O incrível Leonardo da Vinci, no século XV, durante a Renascença, criou o primeiro conjunto de regras à mesa, como:

  • “Comece a comer quando todos estiverem servido”;
  • “Não fale alto e nem gesticule demais”;
  • “Não coloque os cotovelos na mesa”;
  • “Ao terminar, coloque os talheres sobre o prato”;
  • “Não empurre o prato”, entre outras.

Se fosse vivo, ele também diria: “Evite o uso das telas à mesa” ou, também, “faça boas escolhas alimentares”. As regras parecem arbitrárias, mas não são. A etiqueta e os ritos norteiam rotinas e hábitos. Agora imaginem durante a pandemia? Espaços descontruídos, rotinas desfeitas e novos hábitos sendo construídos. Fomos refletir sobre esses pontos para pesquisar algumas questões que acabaram norteando nossa pesquisa. Exploramos:

  • Como foi a rotina alimentar das famílias durante a pandemia?
  • Mudaram os hábitos em relação à alimentação de vocês durante a pandemia?
  • Costumavam fazer as refeições juntos naquele período de confinamento?
  • As crianças, os responsáveis comiam vendo televisão, tablet ou celular?
  • E agora? Como está sendo a readaptação às novas rotinas?
  • Cultivaram ou perderam algum hábito alimentar?

As respostas atestam o importante papel da alimentação na vida das famílias, seja no cultivo de hábitos saudáveis, na participação de todos nos rituais de preparar e desfrutar a comida, mas, principalmente, no estreitamento dos vínculos afetivos, nas relações intrafamiliares e de intimidade.

Fabíola Belém da Silva, 43 anos. Pedagoga e coordenadora pedagógica de uma Escola em Recife-PE. Mãe do Arthur, 11 anos e do Felipe, 7 anos. Casada com o André, 47 anos que é analista de sistemas, se manifestou: “Quando penso ou me perguntam sobre a pandemia, eu digo que a nossa família foi privilegiada, pois quando tudo fechou meus pais estavam morando conosco nessa época. A primeira coisa que fizemos foi uma reunião de família e juntos criamos um planejamento pensando qual seria a melhor forma de atravessarmos esse período. Definimos quem faria o que; e assim passaram os primeiros 15 dias. Depois, novamente nos reunimos para avaliar e optamos por irmos para nossa casa de praia, pensando nas crianças, que lá teriam mais espaço livre para brincar. Minha carga horária de trabalho é no turno da manhã, obviamente que na pandemia seguidamente o meu horário se estendia; já o horário de trabalho do meu marido é mais flexível, então eu trabalhava pela manhã e ele a tarde e à noite”.

Fabíola continua: “O André gosta muito de cozinhar, minha mãe também, então os dois se encarregaram de dar conta do preparo das refeições. Para o meu pai ficou a tarefa de fazer as compras e a feira. Quanto à organização e limpeza, isso ficava comigo, como também acompanhar as aulas online dos meninos, as tarefas escolares e, também, supervisionar as brincadeiras deles na rua, pois a nossa casa da praia proporcionava isso. O contato com a natureza foi uma coisa muito importante para os meninos, o que faltava era o contato com outras crianças”.

“Como sou uma pessoa muito organizada e valorizo a rotina foi fácil para mim essa organização e o pessoal ajudava no cumprimento das combinações. Minha mãe é uma pessoa muito ativa e ficamos atentos em termos uma rotina na qual todos pudessem se manter ocupados, pensando em tornar mais leve esse período tão difícil e temeroso. Como o meu marido e minha mãe ficaram responsáveis pela comida, os vi buscando novas receitas. Víamos os dois muito envolvidos nas questões da alimentação, até eu, que não sou chegada na cozinha, passei a me interessar mais por novas receitas e alimentos”.

O envolvimento da família na divisão das tarefas trouxe reflexos. “A alimentação na nossa casa, a partir da pandemia, melhorou muito. Isso ficou marcado como um ponto positivo desse período. Já tínhamos o hábito de estar juntos nas refeições antes da pandemia e, durante o confinamento, isso se reforçou, pois fazíamos as três refeições principais juntos, à mesa, com horários combinados e sem TV ligada ou telas, pois para nós a hora das refeições é um momento sagrado, momento de conversa, quando contamos como foi a manhã, a tarde, pensamos juntos os planos para o próximo dia”.

“A infância é uma janela de oportunidades para que a gente possa deixar referências positivas e saudáveis para os nossos filhos” – Fabíola

O ritual

Fabíola acrescenta que a família reconhece que as refeições precisam de calma e tempo, assim como valorizar quem as prepara. “Tentamos introduzir novos alimentos, principalmente para o nosso filho mais novo, o Felipe, que estava em um período mais seletivo para comer. O esmero do André foi e é tanto, que ele cuida de cada detalhe das refeições, bem como da decoração dos pratos e das músicas que vamos ouvir”.

O movimento da família refletiu nas crianças. Perto do seu aniversário, Felipe de 7 anos pediu de presente uma cozinha de brinquedos e utensílios. Lá brincou e simulou refeições e preparos. Atualmente, adora ajudar o pai. “Um dia desses fez o arroz, com a supervisão do André e ficou todo orgulhoso nos mostrando sua produção”.

Laura Gama, 28 anos, criadora de conteúdo digital, pesquisadora de mercado e fotógrafa. Mãe da Lavínia, 4 anos. Mora em São Paulo/SP, comentou: “Eu me separei na pandemia. Nessa época, a Lavínia tinha dois anos. Eu e a Camila, também mãe da Lavínia, temos a mesma opinião em relação aos cuidados com a alimentação da nossa filha e a importância de fazermos juntas as refeições. Lavínia é vegetariana. Eu e a mãe dela, mesmo separadas, seguimos em sintonia em relação às questões que envolvem a nossa filha, que é uma criança curiosa e muito interessada em relação aos alimentos, suas cores e variedades. Por exemplo: ela adora batata doce e aprendeu que não existe essa batata só de uma cor, come com prazer todas as cores e variedades desse tubérculo.

Valorizar o momento das refeições é fundamental

“Mesmo em casas separadas, comíamos juntas seguidamente ou no almoço ou no jantar. Atualmente, isso acontece mais espaçadamente, mas seguimos nos encontrando e fazendo alguma refeição juntas. Somos nós quem preparamos as comidinhas dela, vou te contar que ela tem dificuldade de comer fora de casa, prefere as nossas comidinhas, pois conhecemos os gostos dela, as preferências, por exemplo: não gosta das folhas de couve, porém adora o talo cortadinho e refogado, outra coisa que ela adora é cenoura crua em forma de palitinhos, esse é o seu lanchinho antes de dormir. Acredito que a nossa filha ter ficado em casa por 3 anos foi muito importante para a formação e o desenvolvimento dela. Enxergo a Lavínia como uma criança segura, tranquila. Ela adora conhecer pessoas, estar com outras crianças. Nossa filha iniciou atividades cotidianas com outras crianças no segundo semestre de 2021, frequentando um quintal de brincar. Atualmente está frequentando uma Escola de Educação Infantil. Nesse momento, com quatro anos, com mais experiências e opiniões, está ficando mais seletiva em relação às suas escolhas alimentares. Agora diz não gostar de nenhuma fruta. Procuramos respeitar suas escolhas, não forçamos e nem damos um peso negativo, entendendo que é uma fase e que faz parte do crescimento dela”.

Laura conta mais: “Quanto ao uso das telas ou televisão na hora das refeições, não tínhamos nem temos o hábito. Permitíamos que visse algum programa específico e por tempo determinado. Hoje em dia, algumas vezes eu a deixo, inclusive na hora de alguma refeição, mas te confesso que me incomoda, tenho a sensação que quando ela está comendo assistindo alguma coisa, parece que come roboticamente, o que não gosto. Quando me dou conta que isso está acontecendo, a chamo para conversar comigo. Temos muita intimidade, Lavínia é muito afetiva e adora um colo. Quando me sento no sofá ao lado dela, ela se espalha e se aconchega em mim, são momentos ricos de conversas, de contação de histórias, de inventarmos juntas outras histórias. Às vezes, eu gravo nossas histórias improvisadas, onde a criação é coletiva e ela adora ouvir, ouvir e ouvir. Momento esse de muita troca e diversão que temos juntas. Um hábito que desenvolvemos na pandemia e que seguimos foi de ouvir histórias infantis em Podcast, existe um mundo a ser explorado e nós adoramos escutar juntas essas histórias”.

Os hábitos alimentares das duas mães: “Eu e a Camila somos mães diferentes e eu acho isso muito rico para a nossa filha. Por exemplo: meus hábitos alimentares são diferentes dos da Camila e isso é bom para a Lavínia, pois ela pode ter mais opções. Outra coisa: a Camila é muito habilidosa, gosta de ficar em casa, recortando, pintando, inventando coisas assim com a nossa filha. Eu sou da rua, de ir para o parque, para o quintal da casa da minha mãe, ar livre, natureza, brincadeiras mais motoras.”

Cinthia Calsinski, 43 anos, enfermeira obstetra, doutora em enfermagem, consultora internacional de lactação-IBCLC e mãe do Matheus, 14 anos, Bianca, 12 anos e Carolina, 5 anos. Casada com o Murilo, médico, 46 anos. Moram em São Paulo, capital, respondeu: “A nossa rotina durante o período de confinamento foi uma loucura, mas foi boa, sabe? Por quê? Porque eu penso que fizemos menos excessos, comemos menos fora. Em casa, consumimos mais frutas, verduras e preparamos as refeições em casa. Como muitas famílias, ficamos sem a nossa funcionária, que também ficou em casa até que pudesse retornar ao trabalho com segurança. Meu marido e eu atendíamos online durante a pandemia e, entre um atendimento e outro, atendíamos os filhos, fazíamos comida, auxiliávamos nas tarefas, tudo ao mesmo tempo, uma loucura! Tinha dias que fritávamos o peixe e olhávamos o gato”.

“Nos pequenos intervalos que eu tinha, virava o assado que estava no forno, outras vezes mandava mensagem de dentro de casa para o meu marido pedindo para ele desligar o fogão ou mexer alguma coisa que estávamos preparando. Procurávamos dividir as tarefas da casa, dentro do possível. Incrível como as horas, durante aquele tempo que passamos trancados em casa, voavam. Em muitos momentos eu me senti perdida, com acúmulo de coisas para fazer. Meu pensamento ficou mais acelerado, tinha a sensação de abrir na minha cabeça uma tela com muitas janelas abertas… Foi então, a partir desse momento, que eu decidi não continuar mais nessa batida. Virei a chave e me comprometi comigo a não ser mais uma pessoa multitarefas. Me dei conta da necessidade que eu tinha de ter mais tempo para mim, de ter ócio. Parei para sentir e me perguntava: ‘Para que tudo isso?’. Hoje eu vejo, penso e sinto diferente e acho que essa foi a parte boa da pandemia”.

“Eu sigo trabalhando bastante, mas reorganizei minha agenda para abrir mais espaços para levar minha filha ao Ballet, assistir algumas aulas, levar outro filho ao clube, nas aulas de inglês, tomar um café com uma amiga depois da academia, ficar em casa com as crianças, almoçar com as minhas amigas.”

A pandemia me ensinou a dizer mais “nãos”

A importância do espaço

“Moramos em uma casa e isso nos ajudou, pois tínhamos espaço e pátio. Tivemos ótimos momentos de conexão, mais intimidade, mais proximidade, o que aprofundou nossas relações. Lembro também de ter momentos em que reforcei a minha escolha amorosa, meu marido foi parceiro e juntos enfrentamos tudo que se apresentava. Pensava: Nossa, esse é mesmo o cara que eu queria ter escolhido para dividir a minha vida. Durante a pandemia desenvolvemos o hábito de assistirmos juntos filmes e séries. Também fizemos exercícios físicos, jogamos e fizemos churrascos durante a semana. Pensávamos: ‘Por que não?’. Em relação à readaptação da rotina nesse período pós-pandemia não tivemos maiores dificuldades, o que acontece é que hoje temos outro olhar… A pergunta recorrente era ‘será que isso é necessário?’. Passamos a ter um olhar mais crítico do que realmente é necessário e importante. O hábito de assistirmos filmes, séries que cultivamos durante a pandemia seguimos fazendo e consideramos um momento muito importante para nós. A coisa ruim que aconteceu nesse período e que segue é o excesso dos eletrônicos. Embora não permitamos o uso de televisão e celular durante as refeições, em outros momentos, vejo os filhos, principalmente os adolescentes, muito nas telas.”

Melissa Suarez, 42 anos. Nutricionista, empresária e mãe da Luna, 5 anos e do Theo, um mês. Casada com o Gabriel, 41 anos, economista. Moram em Porto Alegre-RS, respondeu: “A nossa rotina alimentar durante a pandemia foi tranquila, por eu ser nutricionista, já tinha o hábito de fazer muitas coisas referentes à alimentação em casa e segui fazendo. Sempre convidei a Luna para me ajudar ou estar comigo durante o preparo das refeições. Além disso, sou proprietária de um restaurante em Porto Alegre, então a Luna vive intensamente essa vida em torno da alimentação. Procuro conversar com ela sobre as escolhas alimentares e a oriento da importância disso, de escolher o que é saudável e o que não é. Dia desses ela me pediu: ‘Mamãe, você faz para mim algodão doce saudável?’. Por esse lado é bacana, pois ela está crescendo nesse meio e tem essas noções. No supermercado, por exemplo, seguidamente ela pega alguns pacotinhos e me alcança para que eu leia os rótulos e diga se ela pode comer ou não. Durante a pandemia fizemos mais as refeições juntos, pois estávamos todos em casa, também viajamos sempre que possível com ela para a serra ou para a praia. Nossa rotina nesse período foi mais flexibilizada, bem como os horários. Mantivemos, durante a pandemia, embora a Luna pedisse, a combinação de não assistirmos televisão ou outras telas durante as refeições. Explicamos que é uma hora de prestar atenção na comida e conversarmos à mesa.”

A retomada

“Sobre esse momento de retomada, foi e está sendo bem tranquilo. A Luna estava querendo muito voltar para a escola, sentia falta de estar com outras crianças e da rotina escolar. Para mim também foi muito libertador, pois como sou proprietária de um restaurante em Porto Alegre, acabava que ela ia comigo no meu trabalho. Com o retorno das escolas e sabendo que ela estava bem, foi muito libertador para mim poder trabalhar e ela ir para a escola. Percebi que durante a pandemia a minha capacidade criativa ficou mais limitada. Agora, mesmo com um bebê com um mês, relaxei um pouco. Quando tive a primeira filha, confesso que eu sofri quando ela era pequena. Tinha muitas preocupações em relação a alimentação dela que tinha um cardápio muito saudável. Eu a amamentei e depois não dava nada com toxinas para ela. Acontece que vivemos em um mundo com muitas ofertas de açúcares, gorduras e ainda com diversos estímulos de cores, brinquedos e personagens e isso tudo é bem difícil de controlar. No período de confinamento essas questões foram mais fáceis de administrar, pois como não saíamos, ela não via. Hoje em dia, os aniversários são bem difíceis, procuro oferecer alimentos para ela antes de irmos às festinhas e não a proíbo que experimente coisas diferentes, mas a oriento e explico sobre a importância das suas escolhas, mesmo ela sendo uma criança de 5 anos.

Esses depoimentos revelam, em toda a sua força e espontaneidade, como a pandemia do COVID19 marcou e transformou a vida das famílias em seus mais elementares processos e momentos. E a alimentação, a hora das refeições, seu preparo e compartilhamento, são desses momentos especiais. Hora do convívio. Hora da intimidade, do prazer.

Peu Fonseca foi um dos convidados do podcast do 14º Seminário Internacional Pais&Filhos, confira


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