Publicado em 05/08/2021, às 17h38 por Cinthia Jardim, filha de Luzinete e Marco
Na última terça-feira, 3 de agosto, a Folha de São Paulo realizou um levantamento onde mostrava que os planos de saúde exigiam o consentimento dos maridos para que as mulheres casadas pudessem colocar o dispositivo intrauterino (DIU). As cooperativas Unimed de João Monlevade e de Divinópolis, em Minas Gerais, estavam adotando o processo. Em São Paulo, a situação também foi repercutida em Ourinhos.
A unidade de João Monlevade negou e disse que a “cooperativa afirma que apenas recomenda que o termo seja compartilhado, por isso o espaço para a assinatura do companheiro”. Para esclarecer sobre o tema, a Pais&Filhos conversou com quatro advogados e uma ginecologista para saber até que ponto os planos de saúde podem interferir na decisão familiar.
De acordo com Veridiana Pires Fraga, sócia do escritório SFCB Advogados e mãe de Valentina e Henrique, a questão não é adequada. “A interferência do plano de saúde na decisão da mulher acerca da inserção do contraceptivo intrauterino (DIU) representa verdadeira afronta à sua autonomia. É inconcebível que a decisão sobre o seu próprio corpo seja submetida a concordância de outra pessoa, ainda que seja o seu parceiro. Não se pode exigir, em hipótese alguma, que as mulheres estejam condicionadas às vontades de terceiros”, explica.
Além disso, Veridiana reforçou que esse fator pode agravar os casos de violência doméstica. “Não fosse o bastante, é certo que tal exigência esbarra no princípio do dever de sigilo médico, além do fato de que pode agravar a situação de mulheres que vivem em situação de violência doméstica, bem como colocar em risco a saúde de mulheres que poderiam ser beneficiadas pelo implante”.
Segundo o advogado José Roberto Sanches, Mestre em Direito Constitucional e Especialista em Direito Processual, pai de Letícia e Rafael, a colocação do DIU faz parte do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) pela Resolução Normativa 167, publicada no Diário Oficial da União de 10 de janeiro de 2008. “Ocorre que o DIU faz parte das ações de planejamento familiar, que consiste no conjunto de ações para auxiliar mulheres e homens a ter ou não ter filhos, direito assegurado na Constituição Federal de 1988 e também pela Lei de Planejamento familiar ( 9.263/96). Como o artigo 10 § 5º da Lei 9.263/96 prevê que somente é permitida a esterilização voluntária de pessoas casadas com consentimento expresso do casal, alguns planos de saúde têm ampliado o conceito da palavra esterilização, para abranger também o DIU, o que não me parece correto, uma vez que a própria Lei descreve o que o entende como esterilização (laqueaduratubária, vasectomiaou de outro método cientificamente aceito), não contemplando o DIU”.
Alexandre Aroeira Salles, advogado e sócio fundador do Aroeira Salles Advogados, pai de Thiago, Francisco e Izabela, completa ainda sobre a importância da liberdade individual. “A Constituição Federal estabelece em seu artigo 226, parágrafos 5º e 7º, que dos ‘direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher’, bem como ‘fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidaderesponsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal’. Se fôssemos ler apenas esses incisos constitucionais, poderíamos dizer que sim, seria constitucional os planos de saúde exigirem consentimento dos maridos para inserção do DIU, assim como o consentimento das mulheres para a vasectomia nos homens”.
Mas, Alexandre comenta ainda que o artigo 5º da Constituição Federal traz um princípio maior, o da liberdade individual. “Para que ambos os princípios convivam harmonicamente, a única interpretação possível seria a de que tanto o homem como a mulher podem usar métodos anticoncepcionais, independentemente da autorização prévia de um dos cônjuges. Mas o Estado brasileiro não pode impor ao casal que faça ou não faça planejamento familiar, seja no sentido tal ou qual, já que o casal está livre para decidir se terá 10 filhos, ou 5 filhos, ou ainda se não terá qualquer filho”.
A advogada Claudineia Jonhsson, sócia do escritório de advocacia Araújo & Jonhsson, aconselha que a mulher entre com uma ação judicial contra o plano de saúde. “Dessa maneira, a operadora de saúde deve compelir e custear o implante do DIU, assim como todos os custos relacionados ao procedimento”.
Depois disso, Veridiana Pires recomenda que a mulher deve procurar a Agência Nacional de Saúde Suplementar para realizar uma reclamação caso seja impedida de colocar o DIU. “Os planos de saúde estão fazendo uma interpretação extensiva da lei, o que não se pode admitir, e violando frontalmente a autonomia da paciente”.
Segundo a Dra. Claudia Glina Rubin, ginecologista e obstetrae especialista em reprodução humana no Projeto Alfa, explica que essa decisão pode sim impactar na qualidade de vida de mulheres com doenças em que o DIU é uma alternativa. “Essa exigência do consentimento do cônjuge em uma paciente que tem, por exemplo, endometriose, miomas, ou sofra de cólicasmenstruais muito fortes, diminui não só a qualidade de vida, como também pode causar outras consequências. Isso também atrasa o processo do procedimento pelo convênio”.
Além disso, a ginecologista reforça que a decisão deveria ser apenas da mulher. “O DIU tem o mesmo impacto na vida da mulher como o uso de anticoncepcional oral, anel vaginal, ou preservativo. É um método contraceptivo e nenhum dos tipos de DIU causa infertilidade, então não deveria existir essa exigência”, conclui.
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