Família

Dia Internacional da Síndrome de Down: 3 histórias de famílias diferentes para conscientizar sobre a data

Informação é o caminho para combater o preconceito à diversidade - Shutterstock
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Publicado em 21/03/2021, às 05h00 - Atualizado às 11h59 por Redação Pais&Filhos


Os olhos amendoados, os fios de cabelo lisos e finos, o rosto arredondado, as mãos pequenas. O bebê que nasce com síndrome de Down tem algumas características específicas, mas cada criança vem ao mundo de forma única, em seus detalhes e particularidades. A síndrome de Down também é democrática. Aparece em todas as etnias, religiões, classes sociais e econômicas. Andando pelas ruas, a impressão que se tem é que hoje existem mais crianças com síndrome de Down do que havia antigamente.

Informação é o caminho para combater o preconceito à diversidade (Foto: Shutterstock)

Não é isso que acontece. Essa síndrome sempre existiu, mas as crianças ficavam em casa, em contato apenas com a família. Felizmente, o julgamento, o preconceito e a falta de informação vêm saindo cada vez mais de cena, para dar lugar à visibilidade, ao afeto e ao acolhimento. 21 de março marca o Dia Mundial da Síndrome de Down. A data tem como propósito dar voz às pessoas que nasceram com a trissomia e defender o direito à inclusão em todas as esferas da sociedade. Mas não apenas neste mês, é fundamental falar sobre o assunto, lembrar as famílias que elas devem, sim, contar, dividir, e gritar para o mundo todos os seus sentimentos.

Por isso, trazemos a história de três famílias, com diferentes perfis, realidades e formatos para mostrar (e provar!) que, ao contrário do que muita gente pensa, a síndrome de Down não tem cara – cada criança e cada família tem o seu jeito.

De casa para o mundo – família Alvarenga

Mãe de Francisco, Maria Clara e Maria Antonia, Thaissa Alvarenga sempre teve o sonho de viver a maternidade e de construir uma família grande. Casada com Alexandre Calazans, ela engravidou aos 35 anos do primeiro filho. Com seis meses de gestação, descobriu que Chico tinha síndrome de Down e cardiopatia. “Ele nasceu com 36 semanas e com quatro meses de vida, teve que operar do coração. No primeiro ano de vida do meu filho, eu vivi só para ele”, conta. Não foi fácil no início. Ao descobrir a notícia, Thaissa confessa ter trabalhado com o luto.

“Tive medo de como a sociedade se comportaria com o meu filho, medo como a mãe de que ele fosse rejeitado. A gente tem um senso de se transformar para o filho. Aos poucos, descobri que o Chico tem o tempo dele”, completa. Alexandre lembra que foi o primeiro a ter preconceito em relação ao filho: “Fui obrigado a abrir meu coração, minha casa e família para esse novo mundo. Descobri que o preconceito não é nada mais que ignorância e que é normal ser diferente. Depois que nasce um bebê, você tem um choque de realidade, como qualquer outro filho, e começa a desmistificar o desconhecido. Ele mudou completamente a minha maneira de encarar os problemas”.

Naturais do Rio de Janeiro, Thaissa e Alexandre se mudaram para São Paulo em outubro de 2013. Dois meses depois, descobriram que Chico nasceria com síndrome de Down. Como a família do casal não estava por perto, construíram a própria rede de apoio. “Eu não tive uma rede de acolhimento no começo. Confesso que nem procurei, fiquei tão preocupada com a cardiopatia que não tive cabeça para mais nada. Mas aos poucos, fui conectando as pessoas”, conta a mãe.

Durante a segunda gestação, da filha Maria Clara, Thaissa decidiu criar um blog, onde compartilhava sua rotina com Chico e foi formando uma rede de apoio estendida com outras famílias. “Com o crescimento do blog, criei a ONG Nosso Olhar com o propósito de ser um lugar de acolhimento e valorização da primeira infância, de todas as crianças. Entendi que meu filho não é diferente por ter um cromossomo a mais. A maternidade é solitária, independente da criança. Por isso, ter essa noção de pertencimento é fundamental. Com o Chico, aprendi que cada um tem o seu tempo, a não julgar a outra pessoa e a ter paciência”, explica Thaissa.

Em meio à rotina agitada de cuidados com os filhos, Thaissa e Alexandre perceberam que é essencial ter um tempo individual e também como casal. “Eu abri mão de muita coisa. No primeiro ano, me vi fora do mercado de trabalho em um processo de maternidade diferente. Me remodelei e não me arrependo. Mas também aprendi que não podemos nos anular como pessoa. As mães têm que sair um pouco do mundo da síndrome de Down e ter um momento individualizado”, defende.

“Para a mulher, a maternidade chega muito mais cedo do que a paternidade. Mas com o tempo e o nascimento do Chico e das meninas, tenho objetivos muito mais claros. Estou aqui para evoluir e passar de fase. A paternidade me fez enxergar isso e entender melhor os meus pais. Hoje sou uma pessoa mais tolerante com tudo. Sou um cara normal como qualquer outro. Mas tenho uma sorte grande com a minha família”, completa Alexandre.

Lições para a vida – família Marinho Dehira

Lia foi muito desejada por Mariana Marinho e Rafael Dehira. Ver o positivo no teste de gravidez foi motivo de grande emoção para o casal. Os exames durante a gestação apontaram que a bebê tinha os membros mais encurtados, mas como Rafael é oriental, julgaram que fosse pela descendência, então os nove meses de gestação foram tranquilos.  A notícia sobre a síndrome de Down veio após o parto. Mesmo com as dificuldades, a felicidade do casal com a chegada da filha era tanta, que não fez a menor diferença para eles como pais.

O amor foi muito maior que qualquer susto. “Quando descobrimos a síndrome de Down, não entramos em desespero, ficamos muito mais focados no que poderíamos fazer por ela”, explica a mãe. Tudo era novo para a família. Rafael lembra que, por um breve segundo, a primeira pergunta que surgiu foi: “E quando eu morrer, o que vai ser dela?”. Foi a médica obstetra de Mariana que o acalmou, dizendo que ele precisava pensar no presente antes de qualquer coisa. O medo maior veio com a internação da filha logo após o parto. “O pior momento foi quando recebemos alta do hospital e ela não”,  desabafa Mariana.

A rede de apoio também é fundamental para as famílias e crianças (Foto: Shutterstock)

Com apenas um ano e meio de idade, a bebê já deixa lições valiosas para os pais. “Aprendi que a vida vai muito além da gente e há coisas muito mais importantes para se preocupar. A Lia deixou nossa vida muito mais feliz”, enfatiza Rafael. Como exemplo, a mãe lembra de uma viagem de avião com Lia ainda bem pequena, em que sentiram turbulência. “Minha filha percebeu que eu estava tensa, olhou para mim e começou a fazer carinho. Não queríamos que fosse outra pessoa, tinha que ser ela”, conta Mariana.

Atualmente, o casal vive o mundo de Lia, mas também integra a filha no dia a dia deles. Essa via de mão dupla faz bem para todos os lados. Mariana e Rafael comemoram todas as belezas em serem pais de Lia. “Os filhos são reflexos dos pais. Esperamos ser bons espelhos para ela. Tudo vai dar tudo certo com amor, carinho e atenção”, finaliza o casal.

Maternidade sem filtro – família Rodrigues

Aos 47 anos, Adriana Rodrigues, mãe de Arthur, Aline e Amanda descobriu que esperava um menino. A gravidez chegou de forma inesperada. “Como eu já estava entrando na menopausa e não tive nenhum sintoma da gestação, nunca desconfiei de que estava grávida. Na época, eu tinha parado de trabalhar para cuidar da minha mãe, que tem Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA)”, conta. Adriana descobriu que estava esperando o terceiro filho aos quatro meses de gestação.

“Quando recebi a notícia, entrei em desespero. Só conseguia pensar em como eu iria cuidar da minha mãe e de um bebê ao mesmo tempo. Também fiquei preocupada por ser uma gravidez de risco. Eu tomava remédios para hipertensão, já havia passado por duas cesáreas e tinha a idade avançada”, lembra. No dia 30 de abril, Adriana fez o ultrassom morfológico para saber se estava tudo bem com o bebê. “No começo, minha mãe ficou muito preocupada, mas ao mesmo tempo feliz de ter um menino na família. Sempre foi um sonho dela”, conta. Cinco dias depois, ela recebeu uma das notícias mais dolorosas de sua vida. “Minha mãe faleceu no dia 5 de maio, com 76 anos. Ela não chegou a conhecer o neto que esperava”, desabafa.

A data para o novo ultrassom do bebê estava marcada para o dia 26 de agosto, mas dez dias antes, Adriana começou a se sentir mal e foi correndo ao hospital. Arthur estava chegando ao mundo. “Ele estava começando a entrar em sofrimento fetal, com algumas complicações. Mas foi tudo muito rápido, ele chegou por parto normal”, conta. Adriana descobriu que Arthur tinha síndrome de Down na sala de parto. “Me deram a notícia da pior forma possível. Falta muito preparo dos profissionais de saúde em situações como essa. Eu já estava fragilizada, com medo do meu filho não sobreviver. A única coisa que pensava era: ‘Deus, eu não queria esse filho, mas agora que você me deu, eu quero e vou lutar por ele'”.

O bebê passou 13 dias internado na UTI Neonatal. Em meio a tantos medos e incertezas, Adriana só queria sair com Arthur do hospital e ir para casa. Agora com 5 anos de idade, Arthur já ensinou muito para a família. “Nunca me importei com o que as pessoais iriam pensar. A chegada dele foi um divisor de águas na minha vida. Tudo o que não era verdadeiro sumiu. O Arthur também trouxe pessoas maravilhosas”, conta.

Mãe solo, Adriana tem a ajuda das filhas em casa e se mantém financeiramente com a pensão do pai de seus filhos, programas sociais e seu trabalho artesanal com costura, que divulga através do Instagram @mamaedothuty. Como rede de apoio, ela participou de projetos do instituto Empathiae, que acolhe e fortalece as famílias que recebem um bebê com síndrome de Down e outras deficiências. “Conheci a Mônica, fundadora da Empathiae, durante um simpósio. Ela foi um dos anjos que apareceram na minha vida. Participei do projeto Cuidando de quem cuida, em que fui às rodas de conversas, aprendi sobre artesanato e troquei experiências com outras mães”, lembra.

Mesmo com tantas dificuldades, Adriana é uma verdadeira fortaleza para Arthur. “Passamos pelo abandono paterno e criar um filho sozinho não é fácil. Mas eu penso que não posso deixar a peteca cair. A síndrome de Down não é um bicho de sete cabeças, o mundo não acaba. Ele é uma criança como qualquer outra, e vai aprender no tempo dele. Vamos vivendo um dia de cada vez”.

Cuidando de quem cuida

Durante a gravidez, é comum idealizar a criança que vai nascer e sonhar em como será a vida dali em diante. Histórias com a de Thaissa, Mariana e Adriana, que receberam a notícia de que teriam bebês com síndrome de Down de uma forma fria e nada acolhedora, infelizmente, não são raras. O nascimento de uma criança com deficiência pode gerar muitas incertezas e um misto de reações, da rejeição ao sofrimento, da aceitação ao amor. Em muitos casos, a própria família e amigos não permitem que os pais vivenciem a tristeza por não receber o filho idealizado.

“É essencial permitir que a mãe viva o luto do filho esperado. Organizar essas emoções do momento e ter o direito de questionar o presente para poder aceitar o futuro. O sentimento de perda é muito grande. A mãe entra em luto pelo filho que está ali. As famílias costumam enfiar as coisas para baixo do tapete e quando percebem, vira um monstro de emoções. A família que não viveu o luto bem vivido vai ter sempre um pouco de negação”, explica Mônica Xavier, fundadora e presidente da Empathiae.

É preciso ir além de estereótipos e entender cada ser humano como único (Foto: Getty Images)

Foi pensando em ajudar essas famílias que Mônica criou a Empathiae, que acolhe as mães com bebês que têm algum tipo de deficiência. “Tive filhos que nasceram prematuros e, já naquela época, há 27 anos, me senti abandonada e percebia que era fundamental dar apoio às mães. Todos falam sobre os bebês, mas se esquecem das mulheres que deram à luz esses filhos”, conta. O preconceito pode vir de muitas formas e gerar um grande sentimento de culpa nos pais. “Às vezes, você só precisa sentar ao lado de alguém e escutar aquela angústia. É uma solidão tão grande, que você não se atreve a dizer certas coisas com medo que isso choque as pessoas. A síndrome de Down é um acidente genético, não é culpa de ninguém”, explica.

Com a Empathiae, surgiram as reuniões de grupos de famílias, formando uma rede de relacionamento e apoio mútuo. “Quando nasce um bebê com deficiência, a família se sente não pertencendo a lugar nenhum. Eles são os primeiros a se afastar da família estendida. Nos encontros, os pais readquirem esse senso de pertencimento”, defende Mônica. A parceria e o diálogo entre o casal também é fundamental. “O abandono paterno em famílias com bebês com deficiência é enorme, principalmente entre as de baixa renda. Nas classes média e alta, o pai não se envolve e tem somente a figura do provedor. O número de casais que se divorciam após o nascimento de um filho com síndrome de Down chega a 75%. A gente precisa que o companheiro seja parceiro e que a mãe também entenda que o pai está em luto. A responsabilidade costuma ficar em cima das mulheres. Existe a lenda de que o amor de mãe é instintivo, mas é algo construído. Ou o casal se une e enfrenta tudo junto, ou o distanciamento vai acontecer. E normalmente, é o pai que vai cair fora”, explica.

Cerca de 90% dos casais que descobrem que o bebê tem síndrome de Down reagem com tristeza e com dificuldade em aceitá-lo como filho. “Eles reagem com insegurança e culpa – pela condição física do bebê e por sentirem-se tristes por conta da situação. Esse emaranhado de emoções confusas é chamado, pelos psicólogos, de luto”, defende. Mônica acredita que assumir a tristeza ou frustração em relação ao bebê que chega ajuda as mães e pais a ressignificar a parentalidade. “No momento da notícia, pode parecer que o dia escureceu e que o sol nunca mais voltará a brilhar. Mas vai passar. O sol voltará a brilhar e trará com ele outros amanheceres, novas oportunidades, outras possibilidades e muitos, muitos outros sonhos para sonhar”, afirma.


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